Capítulo XVI

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Raven's Gumble era um esconderijo tão óbvio que não sei porque Rogath ainda não tinha achado Markus. A província dos bruxos era formada por construções inspiradas nos povoados medievais dos comunas, quase como uma lembrança dos tempos anteriores a perseguição. Eram construções de madeira, altas, com ruas estreitas separando-as. As janelas dos andares térreo eram largas, de onde a luz suave das velas vazava e formava sombras difusas no chão. O telhado era comprido, com cumeeiras altas e de ângulos íngremes. Cordões de varais ligavam as casas umas às outras, e placas pequenas de madeira, entalhadas, penduradas acima das portas indicavam os estabelecimentos comerciais. A cidade estava mergulhada no silêncio, sem o barulho de risadas e música vindo das tavernas. Sem o habitual vai e vem das pessoas. Podia-se ver movimentos por trás das janelas iluminadas, mas Raven's estava quase igual a Goldraker.

— As notícias sobre Raven's Gumble eram todas reais — sussurrou Arthan, ao meu lado.

— Sim, e a situação não é nem um pouco sutil — sussurrei de volta.

Há poucos dias, mais precisamente seis dias atrás, o jornal noticiou que, devido ao aumento de violência em Raven's Gumble, havia sido instaurado toque de recolher mais rígido que o imposto por Markus. Agora, as tabernas estavam proibidas de funcionar após o anoitecer e ninguém podia estar fora de suas casas depois do pôr-do-sol, a não ser sobre permissão escrita do rei interino de Ravena. Três edições depois, Rogath emitiu um comunicado, informando que o governo não se responsabilizaria por atentados que acontecessem após o horário do toque de recolher. Isso deu carta branca para ladrões e assassinos agirem da forma que quiserem após o crepúsculo, instaurando caos e terror na província mais aliada ao governo.

E, se nem a província mais privilegiada escapou de Rogath, já dava para imaginar a situação das outras.

Seguimos Jeras pelas ruelas de Raven's Gumble, até que ele entrou em uma construção não muito diferente das demais. Tão silenciosa quanto as outras, havia uma placa sobre a porta indicando que ali funcionava uma botica e uma luz fraca derramava-se pelas janelas. Nós quatro hesitamos antes de atravessar o limiar da porta. Deixei que Arthan tomasse a frente.

A botica era pequena, cheia de prateleiras com os mais variados potes repletos de conteúdos desconhecidos. Alguns continham substâncias viscosas e nada convidativas, enquanto outros eram ornados e atrativos. Havia um balcão lustrado, que bloqueava a passagem direta para a escada que, pelos rangidos, era por onde Jeras andava.

Arthan engoliu em seco audivelmente antes de pôr o pé no primeiro degrau. O rangido semelhante ao choro de uma criança não o deixou muito instigado a subir. Jeras nos esperava no fim do corredor em que a escada desembocava, com uma expressão solene.

— Vossa Majestade pediu que os quatro entrassem.

Jeras sorriu para os três, mas quando seu olhar pousou em mim, sua cara fechou-se. Rolei os olhos para o teto.

Markus estava em uma poltrona e sorriu aos nos ver. Estava mais magro e havia olheiras sob seus olhos que junto aos cabelos desgrenhados, dava um aspecto de desleixo. Markus parecia não dormir há dias. Uma criada se debruçava sobre ele, trocando as bandagens no tronco.

A criada espiou rapidamente e sorriu. Sorri de volta. Era Ezura, a empregada que cozinhou para mim quando me hospedei em Ravena. Ela passava uma substância viscosa na pele exposta, que estava muito machucada e sanguinolenta. Parecia bem recente. Havia um guarda no canto oposto do aposento, tão imóvel que nem parecia respirar.

— Meu filho! — Exclamou Mirasandra, surgindo do nada e arrebatando Arthan com suas mãos magras e dedos longos.

— Oi mamãe — balbuciou Arthan.

As Crônicas de Ravena - A Ascensão da QuimeraOnde histórias criam vida. Descubra agora