Eu odiava bailes. Pelos deuses, não sei quem teve a ideia estúpida de criar um evento onde várias pessoas se reuniam para ouvir música entediante e comer quitutes quase intragáveis, mas que desciam goela à força porque não tinha outra coisa para comer e era melhor do que passar fome. Para o inferno, com esse costume ridículo.
Os puxa-sacos do rei rodopiavam no centro do salão, dançando como se realmente gostassem daquela música de enterro. Havia uma miscelânea de criaturas, das mais variadas espécies, tentando fingir que Ravena era um lugar de união e diversidade.
Markus e Mirasandra sentavam-se em seus tronos ornados, observando os convidados. Volta e meia algum puxa-saco mor se aproximava para trocar uma palavra com o rei ou elogiar a rainha. Para fingir que eram um casal perfeito, de tempos em tempos os dois se entreolhavam e trocavam um sorriso cálido. Sem beijos ou toques, apenas sorrisos falsos. Bela atuação.
Eu fugia dos olhares de reprovação, aversão e medo, ficando isolada de todos os outros, encostada a uma viga do salão. Segurava uma taça de bebida, intocada, e lutava contra o desejo de espatifá-la entre meus dedos, apenas para aliviar a tensão. Meus olhos deslizavam preguiçosamente pelo salão, enquanto meu corpo clamava, silenciosamente, minha cama temporária quentinha e meu cérebro perguntava pela décima vez porque diabos eu me enfiei dentro de um vestido.
Ninguém me queria ali. Nem no baile, nem em Ravena, nem em qualquer lugar fora dos muros de Silver Coast. Eu não era bem-vinda, e cada olhar daquele salão me dizia aquilo. O mundo estava de cabeça para baixo, a guerra cada vez pior e o rei dava bailes em honra a uma prisioneira assassina maníaca. Uma alucinada homicida que desfilava "livremente" por aí e que podia trazer de volta os dias de terror, dos quais ninguém lembrava, mas que, segundo eles, foram os piores.
Nos primeiros trinta minutos eu tinha me divertido com os pensamentos dos presentes, mas agora eu estava entediada, com sede e borbulhando em raiva. Muitas pessoas reunidas em único lugar, faziam minha cabeça doer, já que era quase impossível conter essa avalanche de pensamentos. Já tinha contado quantos petiscos Tevior comeu — passava dos quatrocentos — e quantos homens tiraram Allyria para dançar— um número que se aproximava aos feitos de Tevior.
Arthan, assim como eu, estava totalmente isolado do resto das pessoas. No começo do baile ele havia sido arrastado pelos pais para apertar as mãos de todos os membros razoavelmente importantes da nobreza. Assim que teve uma chance, escapuliu, reaparecendo somente agora, a alguns metros de mim. Torci secretamente para que ele não se aproximasse de mim.
A música encerrou-se abruptamente, os pares se cumprimentaram pela dança e os demais bateram palma. Allyria saiu saltitante da pista e veio até mim.
— Você tem que dançar! — Exclamou ela.
— Eu não danço.
— Ah, qual é! Claro que dança!
Ela agarrou meu braço, tentando me puxar para a pista de dança. Me soltei agressivamente, quase derrubando-a.
— Não faça isso novamente — rosnei — Ou parto você em duas.
Não sei de onde ela tirou que poderia agir como se fossemos amigas. Revirei os olhos e me afastei. Talvez ela não merecesse essa carga de mau humor, mas eu já estava cheia dessa festa ridícula.
— Onde você vai? – Perguntou Arthan, se intrometendo na minha frente.
— Dormir — respondi rispidamente.
A voz de Markus ecoou pelo salão, anunciando uma rodada de brindes. Acelerei o passo antes que ele lembrasse da minha existência. Senti o olhar dos guardas me acompanhando enquanto eu me afastava, mas nenhum se moveu para me escoltar. Só quando eu já havia alcançado o hall, que ouvi vários pés batendo rapidamente no piso.
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As Crônicas de Ravena - A Ascensão da Quimera
FantasyRavena e as Províncias Mágicas enfrenta um inimigo aparentemente invencível: Rogath, um híbrido determinado a assumir o trono e garantir a supremacia de sua espécie. O rei, Markus, sente que está fracassando na tarefa de proteger seus súditos e conv...