Capítulo XX

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Às vezes, eu queria muito que um raio caísse na minha cabeça e me transformasse em uma pilha de cinzas, me livrando do peso de lidar com minhas próprias responsabilidades.

— Atalya, o que você fez foi inaceitável — disse Cassius. — Batendo no próprio companheiro de viagem?

Infelizmente eu não consegui me safar das consequências do meu surto. Estava na sala da casa de Cassius, com Tevior sentado do meu lado. O lobisomem estava cheio de curativos e emplastrado de unguentos, mantendo-se a uma distância segura de mim. Allyria estava de pé ao lado do lobisomem, com as mãos em seus ombros, como se o apoiasse. Arthan estava sentado à mesa, com o pulso enfaixado junto ao peito. Kelenius estava perto da porta, tentando conter o riso. Era o único que estava genuinamente se divertindo com a situação.

— Cassius, Tevior vem se comportando dessa maneira nojenta desde que saiu de Ravena. Eu simplesmente cheguei ao meu limite.

Cassius não mudou sua expressão calma, apenas ergueu uma sobrancelha.

— Você tem que aprender a aceitar opiniões contrárias, Atalya — disse Tevior.

Virei meu pescoço lentamente, considerando repetir a tortura.

— Tevior, apesar da reação de Atalya me desagradar, eu não concordaria em classificar seus pensamentos em "opiniões" — retorquiu Cassius. — Opinião é escolher entre uísque ou néctar, camisa ou vestes, que uma pessoa seja melhor em luta armada do que em magia. Achar que algumas criaturas são melhores que outras baseando-se no sangue que corre pelas veias não é uma opinião.

Tevior baixou o olhar, constrangido. Senti vontade de rir, mas me controlei para não levar um sermão de Cassius.

— Os híbridos são tão antigos quanto os seres não híbridos. As criaturas primordiais precisavam criar híbridos com os comunas para garantir a perpetuação da espécie. A quimera não nasceu apenas para proteger aqueles que vocês consideram "puro sangues" e na sua visão, mais dignos de viver. Se fosse dessa forma a quimera não seria uma híbrida.

— Os híbridos mataram meus pais... — murmurou Tevior, ainda de olhos baixos.

— E isso é uma fatalidade. Kelenius também perdeu os pais muito cedo. Soldados de Markus, colegas seus, os mataram. Partindo da sua ideia, devo considerar todos os soldados indignos de viver porque alguns cometeram um crime?

— Eles estavam fazendo o trabalho deles — retorquiu Tevior. — Os híbridos que mataram meus pais fizeram por prazer!

Enrijeci na poltrona e Cassius lançou-me um olhar rápido de alerta.

— Você testemunhou? — Perguntou o ancião, sem se abalar nenhuma vez.

— Não...

— Como pode deduzir então que fizeram por prazer?

— Bem, com a fama que têm dá para imaginar.

— Interessante. Os híbridos carregam a péssima fama de assassinos de criancinhas inocentes e destruidores de famílias. O que é um pouco incomum, considerando que há dezenas de famílias vivendo aqui. Nos organizamos em vilas, temos uma estrutura de sociedade bem firme.

Tevior abriu a boca para retrucar, mas voltou a fechar. Allyria, com uma expressão estranha, retirou as mãos do ombro dele.

— Podíamos ter matado você e seus amigos. Afinal somos assassinos. Podíamos ter matado nossas crianças, porque nos daríamos o trabalho de ir atrás das suas crianças? — Cassius deu um sorriso cálido, que não chegava aos olhos. — Há algumas décadas, Markus deixou circular livremente o rumor de que lobisomens estavam criando novos híbridos. Afinal, são metade homens e meio lobos. Isso é verdade?

As Crônicas de Ravena - A Ascensão da QuimeraOnde histórias criam vida. Descubra agora