Capítulo XXI

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A Ravena que nos recebeu estava mais decrépita do que da última vez. Agora realmente era uma cidade fantasma. Rogath nos levou pelo limbo e surgimos diante dos portões da cidade. A noite tornava tudo mais lúgubre e abandonado. O castelo enfrentava o caos também.

Fomos arrastados para os andares subterrâneos do castelo. Era um breu completo lá embaixo. Há cem anos eu já caminhei por esses corredores, com a mesma sensação de derrota, mas sozinha. Dessa vez não havia o medo do desconhecido, porque era tudo muito familiar e previsível. As tochas, embora grandes, não conseguiam iluminar com eficiência o ambiente. Isso, somado ao gemido débil de outros prisioneiros, invisíveis na escuridão, e ao tilintar de suas correntes, pareciam criar o cenário perfeito para um pesadelo.

A porta da cela emitiu um lamento longo e fino quando abriram para nos jogar lá dentro. Primeiro Tevior, depois Arthan, Allyria e por último, eu. Quando fui empurrada, uma força estranha tomou conta de mim e me fez estacar. O cheiro de mofo, doença e coisas velhas trouxe à tona lembranças guardadas dentro de mim. Lembranças de torturas.

Os guardas me empurraram, mas eu continuava com os pés firmes. Claro que não precisaram fazer muito esforço para quebrar esse pequeno protesto. No segundo empurrão eu voei contra meus companheiros, que me seguraram. Eu sentia a respiração presa na garganta quando os guardas nos chamaram às grades das celas e tiraram nossas algemas, se afastando aos risos. Minha mão roçou no ferro das grades e senti o ardor da queimadura. Feitiço Contrafuga.

— Estamos mortos — choramingou Allyria.

— Pelo menos temos uns aos outros — retorquiu Arthan, tentando passar tranquilidade, mas sua voz abafada falhou no objetivo.

— Arthan? — A voz conhecida ecoou pelas masmorras.

— Pai? — O príncipe hesitou.

Allyria acendeu um orbe de fogo em sua mão. Erguendo-o acima da cabeça, ela girou-o ao redor, até localizar Markus no cubículo à nossa direita, sentado, encostado nas grades que dividiam as celas. Ele estava magro, com a pele macilenta, como quem estivesse preso há muito tempo. Mirasandra se encolheu perto dele quando a luz a atingiu.

Arthan correu e se ajoelhou junto a grade.

— Como... vocês estavam seguros, não estavam?

Markus balançou a cabeça, em negativa.

— Eles nos pegaram — a voz dele estava fraca, falhava. — Íamos para um lugar seguro, ele nos pegou...

Mirasandra engatinhou até o filho. Estava em uma situação muitíssimo parecida com a do marido. Ela segurou as mãos de Arthan e ele deixou escapar um soluço.

— Oh meu filho — sussurrou ela, a voz chorosa.

Allyria se abaixou junto a parede, abraçando os joelhos e escondendo o rosto neles. Pela forma que seus ombros sacudiam, ela também chorava. A luz se apagou e novamente fomos engolfados pelo breu. Passei a mão pelos cabelos, puxando algumas mechas com força, como se aquele pequeno sofrimento pudesse extravasar tudo o que eu sentia.

— O que vamos fazer? — Perguntou Tevior.

Abri a boca para responder, mas não conseguia articular nenhuma palavra. E pela forma que aceitaram meu silêncio, ninguém estava esperando uma solução. Me sentei em um canto da cela, apenas deixando o tempo passar.

— Isso é tudo culpa da quimera — sibilou Mirasandra, repentinamente.

— Vá para o inferno, sua infeliz — minha voz saiu cansada. — Eu tenho problemas maiores do que seus julgamentos sem sentido. Fique calada ou eu mesmo vou te calar para sempre.

As Crônicas de Ravena - A Ascensão da QuimeraOnde histórias criam vida. Descubra agora