Capítulo X

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Curupira parecia perplexo.

— Esta menina? Minha amada, estais certa disto? Ela não possui a aura da guerreira, aparente ser apenas uma desordeira.

— Do que vocês estão falando? — Perguntei.

Ambos me ignoraram.

— Caipora, A Escolhida é uma guerreira honrada que nascerá para trazer de volta a glória dos nossos irmãos e iguais.

É ela — insistiu Caipora. — Eu a vi em meus sonhos. Eu sei o que vi.

Curupira segurou as suas mãos de Caipora e fitou-a intensamente.

— Minha intenção não é duvidar-lhe. Jamais isso, minha Lua. Apenas considero improvável que a ascensão da Escolhida seja neste presente momento de incertezas e desconfianças...

— É evidente que este é o momento da ascensão da quimera! — Exclamou Caipora, libertando as mãos. — Vemos o mundo padecer nas mãos de indignos. Mancham nossa terra, assassinam nossas crias.

Eu não estava entendendo nada. Principalmente a parte em que eu era "A Escolhida". Escolhida para quê, afinal? Para ouvir dois malucos, com certeza.

— Minha dama, os reis de nossas terras, todos, possuem sangue em suas mãos. Não nos desesperamos, se trata de mais um.

Ela balançou a cabeça, se recusando a aceitar aquilo.

Minha garganta voltou a incendiar repentinamente, como se um ferro em brasa atravessasse meu pescoço. Eu precisava muito de sangue. Dei um passo para trás, disfarçadamente.

— Talvez tenha interpretado o sonho errado... — notei que Curupira estava perdendo a cadência na fala conforme tentava convencer Caipora de que eu não era quem ela estava pensando.

— Eu sei o que sonhei — sibilou ela.

— Olhe para ela, não há qualquer possibilidade...

— Há sim! Até o mesmo nome...

— Nosso mundo está cheio de coincidências, minha querida — insistia Curupira.

— Eu lamento interromper a reunião íntima de vocês ­— eu não lamentava nenhum um pouco — Mas eu preciso caçar enquanto vocês decidem se eu sou, ou não, a profeta de vocês.

— Não! — Exclamou Caipora.

Curupira e eu erguemos as sobrancelhas, ambos pegos de surpresa.

— O mal se agita, quimera. Se não saberes escolher, acabarás...

Não consegui ouvir o seu conselho, pois o vento mudou de direção e com ele trouxe um cheiro hipnotizante e doce, do líquido que eu tanto procurava. A queimação atingiu seu grau máximo e meu corpo desligou-se de tudo que não fosse seguir o rastro inebriante. Me lancei entre as árvores como um raio, preocupando-me apenas em desviar dos galhos baixos e de continuar seguindo a pista. O aroma penetrava minhas narinas e energizava meu cérebro.

Parei quando o cheiro se concentrou alguns metros à frente, trepando nos galhos de uma árvore alta. A perspectiva de aplacar minha sede fazia meus instintos assassinos virem à tona. E, no momento, meu corpo parecia funcionar a todo vapor.

Meu alvo era uma figura masculina, agachado próximo a uma moita. Seu coração batia intensamente, como se estivesse ansioso para algo. E devia estar, pois ele tentava, a muito custo, conter uma garotinha que esperneava, chorava e pedia para que ele a largasse. O coração da menina também batia descontroladamente, mais rápido que o do homem. Seu cheiro também era doce, mas não como o dele. Era como se o aroma do homem cantasse para mim.

As Crônicas de Ravena - A Ascensão da QuimeraOnde histórias criam vida. Descubra agora