Elogios

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🍁Nieven narrando🍁

    Aquele sorriso. Algo nele era familiar... uma sensação de conforto residia ali, no sorriso de Idril.

- E então? - Insistiu ela, avançando em minha direção, após minha demora em pensar no que responder.

- Bem, preciso ler algumas anotações sobre o treino de hoje e... - comecei. Aquela nem era uma desculpa plausível.

Idril lançou um olhar desconfiado.

- Tudo o que você precisa saber sobre essas anotações é que eu sou a melhor de sua tropa. Ponto. - gabou-se, com um sorriso felino.

Encarei o chão, pensando nas futuras consequências de deixar as coisas um pouco de lado.

- Todos merecem se divertir um pouco. Até os treinadores, Nieven. - Concluiu ela, com um pouco mais de seriedade.

- Está bem. - Como poderia não me render? Ao menos dessa vez eu pensaria em mim.

Ela deu uma piscada longa em aprovação, e me entregou a rédea do cavalo malhado que trouxera consigo. O pelo dele estava impecavelmente bem escovado.

- Onde arranjou os cavalos? - Perguntei, acariciando o animal.

- O principal estábulo de Numenöre é propriedade dos meus pais. - Explicou, com um brilho nos olhos. Lembranças.

- Desde quando? - questionei, subindo no cavalo.

- Desde sempre. - Afirmou Idril, após checar rapidamente suas memórias.

- Então você deve ter muita experiência com esses animais... - insinuei, desafiando-a.

- Você acha? - ironizou ela.

- Pode ser que eu precise ver para crer.

Num piscar de olhos, ela estava sobre o animal. Lançando em mim um olhar desafiador. Logo em seguida pôs seu cavalo a correr.
Observei-a por um instante, o bastante para ela se distanciar do castelo.

Em meio a galopes e seus cabelos esvoaçantes, pude ver seu rosto se virar para mim:

- Vai ficar parado aí?! - apesar de ter sido gritada, a frase soou baixa por conta da distância.

Ri sozinho com a audácia de alguém que praticamente acabara de me conhecer.
Pressionei meus calcanhares contra as costelas do cavalo, que começou a correr imediatamente.

Idril estava a quilômetros de distância, passando com destreza por entre as ruas do vilarejo, rumo à praia.

- Desse jeito vai comer poeira, Nieven! - sua voz distante, mas as palavras cheias de deboche.

Fiz com que o cavalo corresse mais ainda, tentando alcançá-la.
Em uma das curvas das ruas do vilarejo, quase atropelei uma cabra. A mesma se assustou, caindo no chão e se fingindo de morta. Pude ouvir de longe a risada de Idril ao ouvir o bale do pobre animal, fazendo com que eu risse junto.
Acelerei ao máximo na ladeira da rua de pedras, e ainda sim, só enxergava o vulto de Idril e seu cavalo à minha frente.
Quando finalmente consegui vê-los com nitidez, já não estavam em movimento. Havíamos chegado à praia.
O mar estava calmo, e o vento balançando as palmeiras somado à quebra das ondas soava como uma sinfonia.
O céu estaria completamente limpo se não fosse por algumas nuvens, ainda sim, continuava extremamente estrelado. E a lua cintilava sobre tudo, refletindo no mar, deixando a noite em um único e belo tom de azul.

- Tudo bem... agora acredito em você. Você tem mesmo jeito com eles - Admiti, um pouco envergonhado.

- O pobre malhado é quem sofreu com sua decisão de me desafiar. - Disse ela, apontando meu cavalo com o queixo. O coitado bufava, cansado, após meu fracasso.

- Vamos deixá-los descansando aqui mesmo. - Disse Idril.

Deixamos os cavalos pastando na vegetação onde começa a praia e caminhamos para a beira do mar.

- Então... O que traz você e seus amigos aqui? Nunca vi vocês antes, muito menos junto à Mordoc. - disse ela, tirando os sapatos, para caminhar sobre a areia.

Fiz o mesmo antes de responder. A areia estava fria.
Começamos a caminhar sem rumo por onde a água podia molhar nossos pés de novo e de novo.

- Bem, tudo "isso" começou quando nós decidimos ir atrás de Jastra, que até então considerávamos desaparecida. Viemos de Elenlindalë. - ela franziu a testa, provavelmente não conhecia minha aldeia- Passamos por tanta coisa... quase fomos mortos... por Mordoc, na verdade. Mas depois o braço direito dele revelou ser minha irmã, que até então eu se quer conhecia. Então fomos poupados e aderidos a tripulação, em troca de ajuda para encontrar Jastra. E quando finalmente a encontramos... - minha voz falhou.

- O que houve? - perguntou Idril, com os olhos atentos sobre mim.

- Ela simplesmente demonstrou não dar a mínima para a nossa preocupação ou pelo que passamos para chegar até aqui. - Senti que teria uma enxaqueca em breve... Parei de caminhar, encarando a imensidão azul-salgada.

- Ei... - senti a mão de Idril em meu ombro, causando um leve arrepio - Aposto que ela não pensou direito. Logo ela perceberá o quão importante foi a atitude de vocês e tudo ficará bem. - concluiu, olhando em meus olhos.

Continuei imóvel e sem dizer uma palavra, enquanto ela se sentou ali mesmo.

- Sente-se... - convidou - comedor de poeira.

Virei-me para ela, que estava segurando o riso. Sorri, sentando ao seu lado.

- Sabe que sou seu treinador, e que essa sua audácia pode te custar caro, não sabe?

- Grande coisa. - ela sacudiu a cabeça.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, deixando que as ondas fizessem uma relaxante trilha sonora.
Olhei para Idril. Ela estava apoiada na areia com as mãos para trás, os olhos fechados e o queixo erguido em direção à maré.

- O que exatamente você está fazendo? - perguntei, dando um leve riso.

- Ãhn? Ah, isso? É só um costume meu de quando venho aqui. - esclareceu ela. - Eu fecho os olhos e simplesmente sinto o vento que traz as ondas. É como se eu pudesse sentir todas as coisas que vem com ele. Palavras, memórias, aromas, pressentimentos... - continuou - Pode até ser maluquice, mas é algo que me faz feliz, e que eu tenho medo de perder com o passar do tempo... Você deve estar me achando maluca. - riu, sacudindo a cabeça em desaprovação.

- Não, eu entendo. Sinto a mesma coisa na verdade. Fico imaginando se com o passar dos anos ainda vou poder fazer as coisas que me fazem feliz, e se elas ainda terão o mesmo efeito sobre mim... - falei, franzindo o cenho para esses pensamentos.

- Exato! - disse ela, empolgada - Ninguém entende quando eu digo que penso nessas coisas. Pensei que só eu fosse maluca assim. - afirmou, limpando as mãos uma na outra para pentear os cabelos castanhos com os dedos.

- Se isso é ser maluco... somos dois então. - contei.

Nos entreolhamos.

- O luar lhe cai bem. - falei.

Como assim? Por que eu disse isso?
Mas eu não soube distinguir se ela havia corado ou não.

- Obrigada. - respondeu num tom baixo.

- Parece que a senhora confiante tem um ponto fraco? - Perguntei, para descontrair a tensão que eu acabara de provocar.

Ela soltou um riso tímido, tapando o rosto.

Sim. Elogios.

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