Pense bem

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✨Meriel narrando✨

Era tarde da noite quando o navio em que eu estava aportou de volta em Numenöre. Desci até o cás e avistei Qildor a minha espera. Os cabelos louros oscilando graças ao vento da praia, os olhos azuis me acompanhando durante todo o trajeto de desembarque, enquanto um sorriso brilhante se abria conforme eu me aproximava.

     - Bem vinda de volta, minha aranel. - disse, antes de me puxar para um beijo.

Nossos beijos eram sempre sinônimo de reflexão para mim, pois pareciam uma eternidade, onde cabiam ponderações sobre como eu era capaz de não sentir nada por aquele nér, mesmo diante de todo amor que ele demonstrava.

Às vezes penso que nunca serei capaz de me perdoar por mentir tão descaradamente para ele sobre meus sentimentos. Torturo-me sempre que lembro que tudo isso é por uma questão de puro egoísmo de minha parte, só mais umas das coisas que eu fui capaz de fazer pela sobrevivência do que restava de mim depois de tudo que meu pai me obrigou a passar. Eu NUNCA o amei de verdade. E agora que estávamos perto de nos casar, de nos tornarmos únicos um para o outro para sempre, esses pensamentos eram cada dia mais frequentes. Mas ao mesmo tempo que eu queria me libertar, tinha pena do estrago, talvez permanente, que poderia fazer se contasse a verdade a ele.
Seria mais fácil não ter começado...

- Como foi a viagem? Conseguiu o armamento? E quanto aos guerreiros? - indagou Qildor, assim que nossos lábios se separaram, correndo os olhos por meu rosto.

- Não se afobe tanto assim! - consegui rir. - Vamos por partes... A viagem foi como o previsto, os armamentos logo serão descarregados e, posteriormente, testados. Aparentam ter ótima qualidade, aliás. E quanto aos guerreiros... difícil dizer se mais de vinte elfos, anões ou qualquer diabo infeliz aceitaram juntar-se a nós. - lamentei.

- Mas que merda... - resmungou ele, revirando os olhos azuis turquesa.

- Não é tão fácil quando não se tem a "persuasão" de Mordoc... - continuei, simulando quebrar um osso com as mãos.

Qildor apenas assentiu com a cabeça e continuou:

- Você deve estar cansada. Eu trouxe seu cavalo, pode ir na frente. Irei inspecionar o descarregamento e passar algumas instruções para aqueles que você conseguiu trazer. - apesar da personalidade forte, e alguns defeitos, Qildor conseguia se desdobrar às vezes.

- Mas... - tentei convencê-lo a me deixar ficar, mesmo que no fundo estivesse desejando um banho quente e uma cama. No fundo, depois de tanto tempo de convivência, eu sentia sim algo por Qildor. Mas era mais como um sentimento de irmã e irmão, ou de mãe e filho do que de esposa para com o  marido. Não, isso nunca.

- Nada de "mas". Te vejo mais tarde, meu amor. - concluiu ele, beijando minha testa e indo até o comandante do navio.

A maré estava calma, mas o vento soprava um ar gélido que fez com que eu me apressasse até meu cavalo. Uma das criaturas mais lindas, na minha opinião. Morë era o nome que eu havia dado a ele, pois era totalmente negro. Acariciei sua crina por alguns minutos, até que um bocejo veio como lembrete do cansaço que escorria por todo meu corpo.

O céu estava completamente limpo e espetacularmente cheio de estrelas. Um prato cheio para os sonhadores...

FLASH BACK ON

    Eu estava jogada no canto da cela, trançando  alguns fiapos do feno que forrava o chão, enquanto olhava para a brecha entre as paredes de pedra. Os guardas a chamavam de janela, mas não tinha nem um palmo de largura. De vez eu quando, eu conseguia enxergar o céu, quando não haviam nuvens ou neblina. Uma das pequenas alegrias que eu podia vivenciar naquele lugar. Alegrias tão curtas quanto os fiapos em minhas mãos.
O céu parecia mais vivo que nunca,  o brilho das estrelas parecia tilintar vagarosamente, ecoando na enorme escuridão da noite e trazendo uma sensação de conforto que fazia com que eu me lembrasse de casa, de minha mãe, de meu irmão...

As crônicas de Elenlindäle Onde histórias criam vida. Descubra agora