CAPÍTULO 2

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Madrid, Espanha
Dezembro de 2012.

ENTÃO HOJE É VÉSPERA de Natal.

Meus companheiros são um vinho tinto e um livro de poesias.

O cheirinho de peru assado é de nostalgia.
Quantas vezes sentamos ao redor da árvore de Natal e trocamos presentes, abraços e sorrisos? Desde que me entendo por gente sempre fora assim.
Mas nestes quatro anos fora diferente.
Quatro anos longe de casa, longe de minha família, londe de tudo que deixei para trás ao sair de Londres.
E embora saiba que sou Bem-vinda em casa, não tenho interesse em voltar - mesmo com tanta saudade.
Ainda não estou pronta para aparecer lá.
É que simplesmente não posso estar no mesmo lugar que o homem que amo cujo está casado com a minha irmã.
Não posso chegar lá e dizer -ou fingir - que estou feliz com a felicidade de ambos, quando claramente não estou.
Se mantive distância foi para o bem de nós três: De Natália, de Christopher e de mim.
E se não volto lá é por uma razão : não sei mentir. Dissimular não é comigo.
Durante todo esse mês estive pensando e repensando sobre ir ou não ir. A carta de meus pais estava na minha mesa de centro, na sala. Eles sempre mandavam, me convidando para a farta ceia de Natal, ano após ano e nunca deixaram de mandar.
Mas eu sempre acabava não indo.
E não me atrevia a responder.
Apenas mandava um cartão de "Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!" , e acho que não os convencia, mas também nunca contestaram.
No entanto, a carta deste ano foi o impulso que eu precisava para ir. Estava convencida de que enfrentaria meu passado frente à frente.
Reservei as passagens de ida e de volta para Londres.
Os dias se passaram...e com eles os pequenos vestígios de coragem e determinação que eu ainda tinha.

O problema é que eu penso demais.

Imaginei mil vezes, durante as noites mal dormidas, como seria estar em Londres outra vez; Rever minha família, meus amigos de infância, conhecidos e...Christopher e Natália.
E a idéia de que eles poderiam ter um filho me assombrou.
Já é difícil o suficiente ter de lidar com a idéia de que os dois estão juntos, quem dirá seu eu chegasse em casa e fosse recebida por uma sobrinha -ou sobrinho! E o pior não era isso.
Eu seria tia do fruto do amor entre o homem que não consigo deixar de amar e minha irmã!
Essa idéia me fez rapidamente cancelar as passagens e adicionar um novo motivo para minha lista de Motivos-pelos-quais-não-posso-voltar-para-Londres:

Motivo 74- Suposto sobrinho (ou sobrinha).

Decidi ficar em casa , lendo um livro que comprei na livraria da esquina cujo ainda estou tentando me concentrar, mas é em vão...minha mente está em outro lugar.
Renuncio o livro e me levanto do sofá e caminho até a cozinha, me direcionando ao forno; então o abro e retiro o peru que já estava quase queimando e se ele ficasse mais um segundo viraria carvão e deixaria de ser comestível.

Olho para a mesa já posta e reprovo minha atitude por ter feito tanta comida, sabendo que vou jantar sozinha.
Eu tinha pensado em simplesmente ir à um restaurante, mas aí lembrei-me que no Natal todos ficam com suas Famílias, em suas casas como pessoas normais. O que não é o meu caso.
Então tenho uma idéia; hoje ao passar de carro pelas ruas movimentadas de Madrid, percebi que há tantas pessoas sozinhas por aí, apesar na multidão que os cercam.
Parecem invisíveis, mas não para mim.
De certo modo, me identifiquei com eles, tirando o fato de que eles não podem se dar ao luxo de viajar sempre que querem fugir de alguma lembrança e de que evidentemente a vida deles é bem pior que a minha, uma vez que eles nem sequer tem uma casa para morar, e que com certeza não estão nas ruas por uma escolha.
Imediatamente me sinto a filha mais ingrata do mundo.
Aquelas pessoas com certeza dariam todo o pouco que tinham para estar com a família, enquanto eu podia, mas não ia por uma paixão juvenil que eu não superara.
Por um orgulho idiota e um medo absurdo.

Do Outro Lado Da Chuva | VONDYOnde histórias criam vida. Descubra agora