19- Há mudanças que vem para o bem

19 3 0
                                    

As luzes dos fogos de artificio pintam o céu sem estrelas com pequenos pontos multicoloridos. São lindos. Uma bela entrada para talvez um belo ano. Que isso aconteça, por favor. Suspiro. Aperto mais forte o meu corpo. Abaixo os olhos e encaro na escuridão o fluxo das águas, o quebrar das ondas que banham os meus pés.

Para me achar não seria difícil, pois só teria que procurar uma trilha de pés tamanho 36, que levam até uma moça com um vestido longo branco. Se conversassem com ela, se ela deixasse primeiramente, descobririam que ela se sente sozinha, desamparada e que quer deixar de ser assim.

Volto a olhar para os fogos. Agora são menos. Não poderia durar esse espetáculo por muito mais tempo, não é mesmo? Os meus braços caem ao meu lado. Passou-se muitos minutos após a virada do ano. Eu queria ser uma nova pessoa, uma pessoa diferente daquela adolescente que brigou com a melhor amiga, com a prima, que se apaixonou pela pessoa errada e beijou outra ainda mais errada, daquela que sente que tudo está ruindo sobre ela.

O som do mar chama a minha atenção. Afinal, eu poderia isso, não?

Não ouso me aproximar mais dessas águas tão contaminadas pelos fluidos humanos. Nem daqueles barquinhos ridículos. Ou das rosas. Rosas estonteantes jogadas para o mar. Um presentinho à Iemanjá. Ela leva tantas coisas sem pedirmos, brincos, por exemplos, tantas coisas que nos pertencem, será que levaria essa escuridão?

Balanço a cabeça em negação.

Não seja tola, Vanessa. Digo para mim mesma. A deusa estaria atrás de coisas belas, desejáveis, algo que chamasse a sua atenção, não uma adolescente dramática e indesejável. Nunca cogitaria levar tanta confusão. Mas... Mas se ela fizesse esse favor de ano novo... O que o mar leva nunca retorna, é o que dizem. Não parece uma má perspectiva.

Um recomeço. Sim.

— Belíssimo o mar, não? — Dou um gritinho e levo a mão ao coração. Um homem com dreads surge do meu lado com um sorriso simpático. Humpf! Torço o nariz com a surpresa.

— Poderia ser muito mais. — respondo claramente irritada.

Mantenho o queixo erguido e apontado para o mar. Recuso a olhar em sua direção. Quero uma mudança boa, não uma que quase me mata de susto. Pela visão periférica vejo que seus pés remexem na areia inquietos, chutando montinhos na direção do mar. Ele coloca as mãos na calça branca de linho e vira-se para voltar a andar. Não havia dado nem cinco segundos quando ele volta com passos pesados na areia fofa e para do meu lado.

— O que há de errado? — pergunta. Ele não parece colérico, ou calmo, muito menos curioso. Ele parece... resignado. Quem sabe com uma pequeno burburinho. Abro um meio sorriso. Se não fosse por sua abordagem pouco convencional e seriamente inconveniente, talvez déssemos bem.

— Tirando o fato de você ser um estranho que surgiu de repente? — respondo inclinando a cabeça na sua direção. Um fogo de artificio rosa ilumina sua face dourada. — Nenhum. — Volto a olhar para as ondas que se quebram. Escuto um suspiro. — Imagino que você incumbiu o meu mau-humor a sua cor. — Percebo que ele abre a boca para dizer algo. — Não o culpo. Já conferiu como anda a nossa sociedade recentemente? Parece que regride cada vez mais.

— Desculpa. — pede. Levanto uma sobrancelha. — Acredito que você não estava num bom momento. — acrescenta.

— O que o faz pensar assim? — indago. — Qual é o seu nome mesmo? — Conversar assim com ele sem como referi-lo está me levando aos nervos. Afinal, eu gosto de gritar um nome quando estou com raiva.

— Paulo.

— Então me diga, Paulo, o que o faz pensar isso? — pergunto. Desfiro a minha atenção aquela figura rara. Quem, em meio ao ano novo resolveria conversar comigo? Ainda mais quando aparenta ter as melhores intenções.

V.A.JAMES Onde histórias criam vida. Descubra agora