Capítulo 27 - Cartas de Adeus.

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Dor... É impressionante como essa palavra tão pequena, de apenas três letras, possa carregar em si um peso tão grandioso, tão devastador. No entanto, é ainda mais impressionante a forma como esse sentimento pode ser sentindo em diversas formas, de diversas maneiras. Prender o dedo na porta, por exemplo, dói. Morder a língua; dói. Ralar o joelho; dói. Torcer o tornozelo; dói. Um tapa, um soco, um pontapé; doem. Porém, de todos os tipos de dor que um ser humano é capaz de sentir, a mais sofrida, a mais cruel, é aquela que se sente no mais profundo do nosso ser. A dor de uma perda. E ela dói como poucas coisas são capazes de doer em toda a nossa vida. E para a nossa infelicidade, essa dor não possui uma cura, porque ela não é como certas dores físicas que podem ser eliminadas com medicação. Ela é uma dor mental, uma dor na alma. É uma dor que dura. É feita para durar. É uma dor tão profundamente dilacerante que, por vezes, transforma-se em líquida somente para transbordar através de nossos olhos. E ela transbordou em mim, de todas as formas possíveis, enquanto eu presenciava naquela melancólica tarde do dia 8 de outubro de 2013, o nome de Katniss ser gravado em uma lápide no Cemitério de Arcadia Bay.

Eu nunca estive, e jamais estaria realmente preparado para aquela saudade sufocante amarrada pela certeza de que nunca passaria. Era uma saudade eterna. Uma angústia imensurável. Um vazio que preenchia o peito. Um desespero inexplicável, torturante. Mas uma hora a nossa ficha caia, e quando isso aconteceu, eu me vi completamente entregue a amargura.

Dois meses haviam se passado, e ainda que eu precisasse dar um tempo de tudo, a vida seguia o seu rumo, impiedosa. Dia após dia, hora após hora. Eu recordava-me de Katniss divagando em nossa infância sobre os buracos negros no espaço, engolindo estrelas, planetas, qualquer coisa, até mesmo galáxias. E aquele poderia ser, definitivamente, o meu estado de espírito. Não que eu fosse engolir as coisas ao meu redor, mas sentia-me com um enorme buraco no peito, sem saber como fechá-lo, como encará-lo, ou como ignorá-lo. Eu poderia descrever minha relação com Katniss como a famosa metáfora da caminhada no deserto e o copo de água fresca. Katniss era o meu deserto, algo que eu não sabia o que iria encontrar um passo a frente, não sabia onde estava me levando, mas tinha certeza de que era o lugar onde eu deveria estar. Da mesma forma que eu representava o desconhecido para ela. Então vinha a água, algo que representava o nosso conjunto. Cristalina, pronta para matar a sede dos caminhantes, pronta para qualquer necessidade de quem precisasse. Era impossível viver sem água, da mesma forma que era impossível um viver sem o outro. E agora eu sabia disso.

Tentando conter o fluxo interminável de lágrimas, ergui meu olhar por alguns segundos, mordendo o lábio inferior com força enquanto observava os feixes de luz solar atravessar a janela do meu quarto, mas a cada momento meu coração se quebrava mais um pouquinho. A cada pequeno movimento um soluço agonizante me escapava, pois uma memória diferente vinha a minha mente para torturar-me. Lembrei-me de quando nos conhecemos pela primeira vez. Lembrei-me de tudo, principalmente de todas as vezes que Katniss esteve ao meu lado, que segurou minha mão, que me deu tudo de si sem esperar nada em troca. Lembrei-me de todo o amor que via em seus olhos, conforto em seus braços, carinho em seus beijos, segurança em suas palavras. Lembrei-me de todo amor que sentia dentro do meu peito. Amor esse que, naquele exato momento, queimava como um inverno, consumindo minha pele, dilacerando minha alma. Então, não conseguindo mais segurar a emoção, deixei que as lágrimas corressem livres por meu rosto. Já tinha ouvido muitas pessoas dizerem que ninguém morria por amor, e, de fato, isso era verdade. Ninguém morria por amor. A gente morria pela falta dele.

Naquele momento eu quis escrever exatamente como me sentia, mas, de alguma forma, o papel ficou em branco, e eu não poderia ter escrito melhor.

20 de Outubro de 2014

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