Era melancólico; bucólico. Uma canção de fim de tarde, ou a despedida de um verão feliz. Era desesperado e carregado de nostalgia. E se repetia...
Again and again...
Era a melodia do primeiro assobio. Era exatamente igual. Eu ouvia no meu sonho, mas quando meus olhos se abriram eu escutei ao longe. Imediatamente pensei na sala do piano.
Sem nem mesmo usar o recurso das lamparinas, desci as escadas. A música se tornando mais nítida e a dúvida na minha cabeça pairando: como ninguém ouvia aquela melodia tão singela e tocante?
Havia uma necessidade na velocidade dos meus passos. Havia a ânsia batendo forte dentro do meu peito, havia o ponto de atração dentro daquela sala; o que me levava em direção à ele sem pestanejar em nenhum passo. Ali eu era um criança livre, indo em direção à um campo de lavanda com vários pinheiros no fundo. E quando abri as portas, avistei-o. Seu terno impecável, o rosto compenetrado nas teclas do piano, a melodia ecoando e sua súbita parada me causou um estampido. Foi ali que eu percebi, seu olhar encarando diretamente o meu, que o conhecia de algum lugar. Não dos quadros pendurados no cômodo secreto, mas de outras vidas. Inexplicavelmente.
Ele não me encarou com raiva ou desafiador. Em sua face havia apenas uma interrogação surpresa. Ficamos ali, nos encarando, suponho que por cerca de alguns segundos, esperando alguma atitude. Pensava em como aquilo era possível. Como ele era possível? Sua imagem era fantasmagórica e elegante. Ele era bonito demais para estar morto. Mas seus cabelos pareciam sebosos iguais aos de Robert. Ele colocou as duas mãos por sobre a tampa fechada do piano. Ele era marrom e lustroso, segundo o meu pai, feito por um artesão Austro-Húngaro.
Dei um passo à frente.
Na minha curiosidade e conhecimento limitado, queria tocar ele. Apenas para ter certeza do que ele era. O que ele comia; onde vivia; o que fazia... O seu nome? Ele tinha nome? Ele ao menos falava?
"Pourquoi il a visité la tombe de ma famille?"
[por que visitou o túmulo de minha família?]"Ai, Jesus, ele fala." Permiti-me adentrar em um leve pânico.
Ele franziu o cenho, esperando uma resposta. Seu tom de voz não parecia magoado, apenas... curioso e levemente desconfiado. E sem saber exatamente o que falar, eu apenas disse:
"Ils avaient besoin."
[eles precisavam]Ele deslizou as mãos de fada novamente sobre a tampa do teclado do piano, circunspecto.
"Je voulais voir mes parents."
[eu queria ver meus pais]Eu não soube o que dizer. Todo o francês que eu havia aprendido escapuliu da minha mente, como em um sopro. Eu optei por mexer os dedos, ficando calado. Olhei para os meus próprios pés, pensando no que falar, mas nada, nada saía em seu idioma.
"Tem dificuldades com o francês?" Sua voz ecoou dentro da minha cabeça. Ele não esboçou nada no rosto quando levantei o olhar em sua direção. Ele apenas aguardava educadamente minha resposta, como um verdadeiro lord inglês e isso me deixava cada vez mis curioso a seu respeito.
Sei que a minha feição surpreendida foi demasiada exagerada. Mas até então, ele me causava calafrios de medo. O Sr. Fantasma tinha me feito urinar na cama em meio ao meu estado de pânico. E ali estava ele, sentado, até pouco tempo tocando uma bela e desconhecida melodia e me olhando, ainda esperando que eu falasse algo útil. E ah, seu sotaque americano era perfeito.
"Você não falava apenas francês?" Apontei timidamente o dedo em sua direção.
"Não sei. Algo me diz que eu vim do mesmo lugar que você." Ele disse com um olhar meio perdido. Fitou algo atrás de mim, depois tornou a me encarar com interesse.
E mais uma vez eu estava estagnado, como uma engrenagem enferrujada e sem óleo.
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Ghost In The Snow || Frerard ||
FanficAnteriormente, havia a presença de um fantasma e um jovem. Atualmente, presenciamos a relação entre um professor e seu aluno. No passado, existia um sentimento amoroso que parecia inalcançável. Agora, deparamo-nos com um amor que é considerado proib...