Uma Gota de Sangue - Ruth Costa

450 8 3
  • Dedicado a Vivian Santana
                                    

Apenas Um

 

-Ainda está aqui? – Droga! Gorro. Chaves. Bolsa. Estou esquecendo alguma coisa. – Está atrasada Luna!

-Já vou papai. – Revirei os olhos sem que ele veja. O que estou esquecendo? O que?

-Luna! – Ele berrou. Seja o que for agora é tarde. Desci as escadas quase caindo no último degrau fazendo minha mãe sorrir. Ela balançava um livro na mão me fazendo lembrar o que eu estava esquecendo.

-Seu pai está aborrecido Clen. – Bufei sobre o apelido idiota. – Orgulho e preconceito! O livro é bom?

-Sim. – Beijei seu rosto. – Amo você mãe.

-Eu também te amo. Agora vá.

 

E eu fui. Peguei a bicicleta e comecei outro dia de trabalho.

O frio cortante quase petrificava meus ossos, mas mesmo assim não gostava de ir de carro para o trabalho. Sempre acabava fazendo algo de errado naquela coisa e sofria durante semanas ouvindo as reclamações e torturas do meu pai por isso. Então mesmo com todo o frio eu encarava o caminho feliz.

Coloquei os fones do meu velho e querido mp3 nos ouvidos e me sentia livre. Mesmo que por um momento.

Essa era a verdade.

Sentia a liberdade passando por mim toda vez que o vento me tocava. Era outro mundo e nesse eu podia sonhar ou apenas ser eu mesma.

Hoje então ele chegaria. Seria diferente dos outros. Olharia meus olhos e não os seios que mesmo tentando esquecer pareciam escapar de mim. Ele seguraria minha mão e me diria que tudo seria diferente uma vez que ele está em minha vida. E a boca dele aceitaria a inexperiência da minha. E o corpo dele seria um molde completo do meu. E ao lado dele eu não temeria deixar essa vida. Teria força para buscar coisas novas. Para ser um pouco mais de mim mesma.

Que besteira!

Nunca deixaria nada disso. Ou nunca teria coragem de deixar minha mãe nas mãos dele.

Ser um pouco mais como Lucy me cairia bem.

Apesar de tudo que passou hoje ela encontrou seu lugar. Uma família completa e ao lado do homem que ama. Ela nunca se limitou a viver conforme nosso pai queria. Por que eu faço isso?

A verdade é que não suporto a ideia de desistir da minha mãe. Não suporto ter que abdicar dela simplesmente porque não suporto ficar perto dele. É errado querer matar o próprio pai?

Perdão Deus, mas às vezes tenho vontade de empurra-lo escada abaixo.

Ele deixaria de me machucar. Ele pararia de machucar a todas nós.

Parei a bicicleta do lado de fora do restaurante a travei com a mais nova trava que Billy tinha me dado. Tive que rir. Foi ele que me deu a bicicleta também. A minha foi roubada há algumas semanas e como quase nunca recebo salário não tinha como comprar outra. Até que Billy me perguntou porquê agora eu estava vindo para o trabalho andando e um dia depois lá estava à bicicleta nova.

Billy é um cara misterioso e legal.

A sineta de metal soou quando passei pela porta principal. Duas pessoas ocupavam a mesa de canto para o almoço, me surpreendia do nosso restaurante ainda não ter fechado as portas. Meu pai não admitia que nada fosse mudado. Principalmente o cardápio. Bem... Ao menos eu podia fazer o que mais amava no mundo.

Uma Gota de Sangue - Ruth CostaOnde histórias criam vida. Descubra agora