Apenas Treze

65 5 0
                                    

-Não sei o que é mais estranho, vê-la ali sentada ao lado dele ou essa sensação de que está realmente tudo errado. - Falei para Clara que ainda parecia extremamente resfriada. Eu via meu pai sentado na varanda ao lado de Lucy em uma passividade de arrepiar e ainda não conseguia acreditar. Os dois pareciam idolatrar a chuva que escorria solene.

Uma semana.

Foi o que demorou pra que Lucy viesse vê-lo. No fundo eu sabia que ela viria, por que assim como eu, ela também prefere a dor da verdade do que a ilusão de uma boa mentira. Ouvir dele era dar realidade ao que apenas lhe havia sido dito.

Ou no meu caso, lido.

Eu jamais poderia saber qual seria a dor de perder um filho e jamais poderia imaginar quanto tempo levaria pra que eu pudesse me erguer. E agora ele tem outra oportunidade de ser pai. Como logo eu poderia roubar isso dele? Como encara-lo de frente e rogar por tempo? Nascemos e crescemos destinados a uma missão.

Deixar aqui nossa semente. Após a morte pouco importa a quantidade de dinheiro que juntou, ou se possui bens. No fim, só o que importa é quem você conseguiu fazer feliz. O que importa são as memórias que serviram de alívio aos que ficarem. Um dia eu tinha estado lá - no paraíso - com o homem que amo e hoje me restou à nobreza dos dias cinza. Eu não me importo mais com o arco íris, espero apenas sobreviver ao frio que sinto agora. Um frio que vem da ausência dele.

-Você acha que ela vai perdoar ele? - Clara fungou ao me questionar.

-Não sei. - Sussurrei. - Não faço ideia do que ela esta pensando.

-E a sua mãe?

-Nem eu sei se consigo perdoa-la. - Disse tristemente. - Isso tudo é sujo demais pra suportar Clara. É como ser mantida presa em uma cadeira enquanto alguém arranca pedaços seus com uma pinça.

-Apesar de ser a única certeza que temos, nunca estamos preparados para a morte. - Pisquei depressa sobre a afirmação dela. Eu sabia que ela também estava sofrendo. Por pura teimosia se mantinha afastada do homem que tinha roubado seu coração.

-Você devia procura-lo. - Eu disse outra vez.

-Ele também traiu você.

-Exatamente. Billy traiu a mim como amigo, mas é cem por cento fiel a você, e se pensarmos bem, de algum modo ele me ajudou. - Olhei pela janela para o céu que desmorona. A chuva forte deixando tudo com o cheiro de terra molhada.

-Não vou atrás dele.

-Vai deixar ele ir atrás de você?

-Quem sabe. - Dei um meio sorriso e suspirei quase contente de ouvir a risada suave de Lara na sala brincando com o cachorro que levava o nome da minha melhor amiga. Will falava ao fundo com alguém no celular e eu me escondia em um canto não querendo ser notada. Ouvi a porta bater e olhei para a varanda.

-Mamãe está com eles, Clara. - Anunciei.

-Serio?

-Sim. - Não ouvia a conversa, mas a cena a seguir quase me levou ao chão.

O abraço entre Lucy e papai ficaria pra sempre em mim como a prova de que nenhuma dor é capaz de nos destruir se não permitimos. Ela beijou o rosto do homem que tanto lhe fez mal e quando se afastou vi as lágrimas tomarem seu rosto. Esse afinal era o pai que ela havia conhecido. O único homem que de algum modo a quis como filha.

Lucy levantou deixando nossos pais sozinhos e entrou em casa, correu para o colo de Will que desligara o celular logo que a vira. Will parecia orgulhoso da esposa... Eu também me senti assim. Escorei na parede e fechei os olhos com força, não me permitindo outra vez chorar.

Uma Gota de Sangue - Ruth CostaOnde histórias criam vida. Descubra agora