Meu desejo aprisiona minha alma
E aos poucos começo a afundarSaio do mundo subterrâneo levando comigo antigas lembranças, novas dúvidas e um desenho com vontade própria de brilhar. Encubro a passagem reposicionando a cama e guardo a folha no final do livro. Preciso seguir a viagem ao passado da flamejante menina, mas as recordações das semanas na fazenda me fazem sentir saudade até dos piores momentos e suspirar alto pela volta dos melhores...
"Nos dias seguintes a descoberta da Torre dos Desejos, passava as manhãs nas suas páginas e trocando algumas palavras com Eshe quando a mesa do café esvaziava. No período da tarde insistia que não estava me sentindo bem para não seguir Ted em sua vida pelos prazeres da carne e ficava de longe observando os trabalhos na fazenda. Meus dias naquele lugar iam se tornando insuficientes. Uma culpa me atingia quando lembrava do meu pai e uma saudade quando o rosto de Anabelle surgia.
Porém aqueles poucos dias na fazenda respirando ar limpo estavam me fazendo muito bem. Sentia-me cada vez mais forte e já aceitava que meu mal estar não era apenas de cunho sentimental. Os anos respirando vapores tóxicos também tiveram seu papel.
E dia após dia fui me recuperando envolto pela brisa do mar e por uma saúde que eu nem sabia que existia. A força dos Ravensdale abria caminho dentro de mim e meus olhares para Eshe aumentavam em intensidade e necessidade. Procurava não ficar em casa no período da tarde porque inevitavelmente estaríamos sozinhos e temia por não saber até onde os touros conseguem se controlar. Pela manhã, tratava de manter a cabeça ocupada com a leitura.
A história narrada por Anthony Blackburn falava de um homem e a sua busca por uma misteriosa torre, lendária e encantada, capaz de realizar qualquer desejo. Durante sua vida, o protagonista Petrus Reier perdeu sua amada em um grave acidente e inconformado, transformou sua busca pela torre em sua razão de viver. Cercado pela ambição de falsos amigos, que usaram sua dor para instigar a busca e assim também beneficiarem-se, se deixou inundar pela frustração que a impossível busca lhe causava, definhando rapidamente.
Sua única força vinha da vontade de rever a amada a qualquer preço e a busca já havia consumido anos seguindo pistas falsas e cruzando fronteiras, mas ele não iria desistir porque se o fizesse teria desistido de viver. No decorrer da viagem encontra Abena Dumisani uma jovem escrava fugitiva que passa a lhe acompanhar mesmo contra sua vontade. Tornam-se amigos, e o fardo da busca fica mais leve, e com o passar do tempo, cada vez menos significante. No entardecer seguinte após a noite que lhe devolvera o sorriso no rosto por ter cedido aos encantos de Abena, a mítica torre revelou-se.
Já não era a torre alta descrita nos pergaminhos e a razão era a reação da construção quando se realizava um desejo: se ele fosse lhe trazer a felicidade esperada ela permanecia imóvel, mas se o desejado gerasse tristeza ela era engolida pela terra alguns metros. Petrus não sabia mais o que desejar: sua antiga amada de volta a vida ou uma nova vida com sua atual amada. Os dois sentimentos o confundiam, Abena sabia a origem daquela busca e lágrimas riscavam o seu rosto quando ele decidiu o que fazer e diante da torre gritou:
- Grande torre dos desejos quero reencontrar Gabriele Vonnegut!
Um silêncio anormal invadiu o lugar, seguido pelo tremor do chão que engolia a torre, tornando-a ainda mais baixa. Perplexo olha para Abena, que aos prantos vê Petrus por a mão no peito e desfalecer já sem vida, enquanto a torre continuava a descer. Corre para socorrer o amado e constata que naquele momento o encontro com Gabriele havia sido consumado. Chora abraçada ao corpo frio por horas e a noite começa a cair. Já havia deixado seu amor inerte no chão e afastava-se lentamente quando olhou uma vez mais para trás e fitou a torre. Foi invadida por um fio de esperança. Uma pequena chama voltou a arder dentro da moça, que correu para a torre e pede:
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Livro (Lizandra's Book)
General FictionEm 1737, junto com o suicídio de meu pai, minhas últimas esperanças também foram enforcadas... Da antiga vida ao seu lado, do próspero negócio da família, nada restou. Sobrou-me o isolamento em uma vila esquecida, lar dos meus antepassados e provav...