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Alguns dias tinham se passado desde o jantar. Evitei o máximo possível conversar com Thirlwall sobre o assunto, na verdade quase não conversamos sobre nada, não sei se ela percebeu alguma coisa, mas ela sabia respeitar meu espaço, quando eu estava calada demais ela nem puxava assunto, era uma coisa que eu gostava nela.

- Posso fazer uma pergunta? - Parei o exercício e olhei pra ela.

- Tava demorando - Ela sorriu de canto.  - Pergunte Edwards.  - Ela cruzou os braços e me olhou no olhos. 

- É verdade que você me acha bonita? - Perguntei sem ansiedade, não queria parecer interessada demais em sua resposta.

- Sim, você é linda - ela sorriu.

- E sua esposa não se incomoda de você achar e falar que outras mulheres são bonitas?  

- Falo de você do mesmo jeito que falo dos meus outros pacientes. - Descruzou os braços. 

- Achei que eu era especial. - Ela semicerrou os olhos. 

- Os exercícios Edwards, concentre-se. - Ela era mestre em cortar o assunto, eu ficava puta quando o fazia.

- Como você a conheceu?

- Hoje vai ser um daqueles dias? - ela me olhou de canto.

- Desculpa,  se não quiser responder não precisa.

- Ok, não me custa nada, não é mesmo. Nos conhecemos quando eu estava no segundo ano de faculdade em uma dessas festas que um amigo é convidado e esse amigo convida outros amigos e assim por diante, ela era amiga de uma amiga minha. 

- Foi amor à primeira vista? 

- Não, nós ficamos na festa depois de algumas cervejas e doses, nada além de beijo, nada de número de telefone trocado ou de um encontro marcado pra outro dia.

- E como foi que começaram a namorar?

- Voltamos a nos encontrar por coincidência alguns dias depois da tal festa no hospital onde minha mãe fazia fisioterapia por causa da distrofia muscular, aí marcamos de sair, e foi assim, de bar em bar, de festa em festa, de encontro a encontro, quando assustamos estávamos namorando, dois anos mais tarde minha mãe faleceu. 

- Sinto muito. 

- Tudo bem, daí resolvemos morar juntas,  e assim estamos a 6 anos. 

- Que legal. Desculpa perguntar isso,  mas o que ela tem que usa bengala? 

- Distrofia muscular, a mesma doença da minha mãe, os músculos ficam fracos e a bengala serve para auxiliar.

- Entendi, e foi por causa dela que você veio pra cá? 

- Vamos dizer que sim, o problema dela só vai piorando então resolveu parar de trabalhar, ela queria um lugar mais sossegado para morar, uma casa com quintal grande, estava cansada de morar dentro de uma caixa que era o nosso apartamento. Ela ama pintar e pensou em começar a ensinar sua arte em uma cidade menor.

- Isso que é amor, mudar a vida toda por outra pessoa - fitei-a.

- Nem tudo é por amor - ela baixou a cabeça por um instante.

- Como? 

- Quero dizer, eu a amo - Ela baixou o olhar - Eu não vim por amor, viemos por necessidade, mas enfim de tudo tiramos uma coisa boa. 

- Mas isso não que dizer o mesmo? Digo era necessário, mas se você não a amasse não teria vindo.- Ela sorriu

- Te deixei confusa, deixa isso pra lá.

- Tudo bem isso é sua vida particular. Vocês formam um belo casal , tem um ótimo contraste. 

- Acha mesmo? - Outra Vez ela me olhou daquele jeito, só que com mais
profundidade. Puta que pariu senti que minha alma ia deixar meu corpo naquele exato momento. Baixei o olhar e quando retornei ela continuava a me olhar. 

- Sim, vocês parecem se amar muito. - Minha voz quase não saiu.

- Está se sentindo bem?  Tá branca parecendo um fantasma. 

- Acho que minha pressão caiu.

- Vamos parar por hoje, não quero ninguém morrendo em meu turno. - Sorriu 

- Engraçadinha - fingi uma gargalhada.

- Foi só pra descontrair. - sorriu mostrando seu dentes. Eu estava encostada na barra de apoio e ela se aproximou. - Pronta? - Ela levou as
mãos na minha cintura como sempre fazia, seus olhos presos nos meus e sua respiração de encontro com minha face. Seus lábios sempre tão convidativos...

...Coloquei as mãos em seus ombros e quase não tive forças pra impulsionar.

Eu estava sentada na borda da piscina e ela sentada ao meu lado, ainda faltava uns 15 ou 20 minutos de terapia. Ela se levantou e buscou um copo com água, me entregou e voltou a sentar-se ao meu lado.
         
- Sabe Edwards, Leigh Anne pela primeira vez sentiu ciúmes de um paciente meu. - Ela levou a mão no rosto e coçou a bochecha.

- Sério, quem é o paciente? - dei de ombros.

- O paciente é você.

- Porque ela ficaria com ciúmes de mim?  

- Ela realmente te achou linda, mulheres você sabe como são... 

Eu não sei porque ela estava me falando aquilo, qual era a necessidade de me contar, mas lá no fundo eu me senti o máximo.

- Não deveria, eu não sou isso tudo, ela deve estar cega assim como você - coloquei o copo no chão e olhei pra ela.  - Não ofereço risco nenhum pra ela não é mesmo?  

- É realmente, talvez eu esteja cega. - Ela se levantou e me colocou na cadeira. - Você tem que se dar mais valor, mesmo sentada nesta cadeira você é capaz de fazer alguém se apaixonar por você. - Pela primeira vez ela beijou minha bochecha. - Até amanhã Edwards.

Ela não entrou comigo como sempre fazia, atravessou a porta e nem ao menos olhou pra trás. Fiquei ali imóvel, o beijo dela queimava no meu rosto, fechei meus olhos e pude sentir a maciez dos teus lábios quentes pousando sobre minha pele gelada. Respirei fundo e fiz o caminho até o meu quarto, Maria me ajudaria no banho já que minha mãe não estava em casa. Se eu pudesse não lavaria meu rosto nunca mais, e guardaria esse momento dentro de um pontinho pra sempre. 

Ela estava me deixando confusa, estranhamente confusa. Depois que terminei de tomar banho, vesti uma roupa confortável e fui dar uma volta no quarteirão colocar os pensamentos em ordem e digerir tudo que ela me falou. Nada parecia se encaixar, um
enorme quebra cabeças faltando várias peças. E o seu olhar misterioso se tornou ainda mais assustador. Tentei esquecer toda essa merda, eu devia estar ficando louca tentando descobrir o que ela escondia, talvez nem tinha nada, talvez eu estava enxergando demais, apesar de não ter gostado de se mudar de cidade ela parecia ser muito feliz com sua esposa, pareciam se amar de verdade, e pelo jeito fizeram ótimos amigos o que a deixou mais animada a morar aqui, mas toda vez que eu fechava meus olhos eu a via, lá estava seus olhos castanhos brilhantes combinando com o lindo sorriso que seus lábios expressavam pregado na minha mente.

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