Deixe-me Ir / PARADO

Capítulo 1

Tempo atual
Noventa dias antes

Levantar todos os dias se tornou uma tortura e hoje não é exceção.

Meus membros parecem pesados e mal consigo abrir os olhos. Mas tenho que levantar, não posso perder a missa de sétimo dia do meu pai. 

Dói pensar nele. Saber que ele não está mais aqui; a única pessoa que me amava no final das contas não está mais viva. Ele está com meu irmão, e logo me juntarei a eles.

Com todas as forças que eu ainda tenho, me sento na cama e olho para o meu quarto. Não tenho muitas coisas, apenas o necessário para me sentir no máximo confortável, se é que ainda posso me sentir assim

Meu vestido preto batido está na cadeira ao lado da porta, esperando por mim. Com um suspiro levanto da cama e vou até ele.

É só mais um vestido. Só mais uma roupa que será usada em um dos piores momentos da minha vida. Mas essa é a última vez que vou usá-lo.

Vou até o espelho e observo a imagem refletida. Está claro que eu não vou mais tentar, e se ainda tem alguém que não acredita nisso, sinto em decepcionar.

Com um suspiro, pego o vestido e vou até o banheiro.

♦️

Kat ainda está no quarto, o que não é normal. Geralmente ela acorda mais cedo do que eu, isto é, quando eu consigo dormir, principalmente em dias como este.

O tempo lá fora está fechado e pequenos flocos de neve começam a cair. Afinal, o inverno começa hoje.

Depois de tudo o que aconteceu, o inverno se tornou minha estação preferida do ano. Combina comigo.

Os passos pesados na escada tiram minha atenção da janela.

Minha mãe está com um vestido social preto e com seu casaco cinza nas mãos. O cabelo loiro está preso em um coque bem feito, diferente do meu cabelo que além de ser preto, está totalmente solto.

Seu cabelo sempre me lembra o meu irmão, às vezes me pergunto por que ela não o pinta se sofre com qualquer coisa que faça lembrar o Alan. Principalmente quando olha para mim.

Ela para na metade da escada e me olha de cima a baixo. Ela nunca disse como eu tinha que me vestir, e isso nunca a incomodou e hoje não é diferente.

Kat apenas balança a cabeça e termina de descer os degraus que ainda faltam.

Diferente da minha bota baixa, ela está com saltos mais ou menos altos. Não vai ser nada fácil de andar na neve com aquelas coisas.

— Já tomou café? — depois de tantos anos, e por insistência do meu pai passamos a trocar palavras, até mesmo frases para ter no mínimo  uma boa convivência. Parece que ela quer manter isso pelo menos.

— Não.

— E não vai tomar? — não tem preocupação na sua voz, é apenas curiosidade — Sabe que seu pai não iria gostar.

Fico calada. É golpe baixo e ela sabe.

Não tenho conseguido comer direito desde a morte do meu pai, nem antes eu conseguia comer. Ninguém me forçava a nada, sabiam que não iria dar certo, e meu pai sempre dizia que se pelo menos eu tomasse café da manhã, não teria problema.

Suspiro e vou até a cozinha. Kat está tomando apenas um café puro, nem ela tem tido fome. Pego uma maçã e mordo sem vontade.

— Esse vestido já está bem acabado. — paro no meio de uma mordida e olho para ela — Você devia trocar, pelo menos hoje.