Vou ao mercado

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Natasha acordou no escuro, no quarto todo fechado e estava sozinha. Viu-se na cama de Abu, vestida com um vestido longo amarelo e sentiu que estava usando uma calcinha por baixo. Sentia-se limpa, com pomadas no corpo e quis chorar. Nima havia cuidado dela, mas na sua cabeça tudo era um borrão de memórias.

Ela queria sumir. Queria mesmo sumir.

Tinha que focar em alguma outra coisa. Said. O mercado.

Ela ficou em pé, esquecendo a dignidade perdida. Se ela pensasse em alguma coisa... se ela pelo menos conseguisse focar.... Andou pelo quarto, colocando as mãos na cabeça e tentando não hiperventilar de novo. Oh... aquilo estava saindo do controle rápido demais.

- Natasha.

A voz de Abu invadiu o quarto. Lá estava ele, completamente arrumado, com aquela cara de príncipe, parado na porta, segurando uma caneca de deus-sabe-lá-o-quê. Natasha poderia avançar em cima dele. Poderia mesmo.

- Não é uma boa hora, Abu. - Avisou gentilmente, mas com a voz firme, virando de costas para ele.

- Você está se sentindo bem? Parece tonta.

- Eu não quero conversar com você agora, por favor.

- Eu trouxe café.

- Enfia! - Natasha gritou, virando-se para ele, com lágrimas nos olhos.

De novo, pensou Abu. Ela ia chorar de novo.

- Eu prefiro enfiar em você. - Falou sem humor, encostando a porta do quarto com o pé, compreendendo que a conversa ali ia ser algo para apenas os dois. - Mas desconfio que você não está com humor para outra rodada de sexo agora. O que aconteceu? O que está sentindo?

- Eu... - Ela nem sabia verbalizar que estava incomodada, e que mal se lembrava do banho e dos cuidados de Nima.

- Nima. - Abu disse colocando a caneca de café na mesinha do quarto, usando passos curtos para tomar tempo e não perder a cabeça. - Eu entendo que esteja chateada, mas eu não tinha motivos para não deixar ela cuidar de você. Você está bem? Sente.

- Eu não sou uma boneca. Eu não sou algo público. - Falou entre os dentes, com mágoa.

- Te agradaria se apenas eu a visse nua?

- Me agradaria se você me deixasse em paz por um momento.

- Não nessa vida. - Abu falou sentando-se na cama. - Por quê é tão difícil assim para você confiar? O que há de tão secreto no seu corpo que sua família... na sua casa... e sim, Natasha, está é sua casa, não pode ver?

Natasha abraçou os seios, sob a roupa de dormir e olhou para o chão, fechando os olhos com força.

- Só nós dois. Meu acordo foi com você.

- Nima é sua criada. - Abu falou com a voz calma.

- Eu não sou do seu mundo, ok? Eu não uso véu e acredito em Alá. Eu não sou quem você quer que eu seja. Por quê você não pode me aceitar como eu sou?

- Porque você é uma montanha-russa. - Confessou olhando ela hiperventilar. - Uma hora parece que estou conseguindo seduzir você... na hora, você explode. Se te agrada que apenas eu a veja nua, que assim seja. - Concordou. - Se isso vai evitar essas cenas, faremos assim, até você se sentir a vontade com Nima.

- Você não pode mandar em mim como se eu fosse...

- Como se fosse minha? - Interrompeu. - Você é minha. Minha esposa. E pare de chorar, Natasha.

- Eu preciso de um tempo. - Decidiu limpando o rosto. - Disse que eu poderia investigar Said. Eu quero que Rashid me leve até o mercado, para fazer compras. Quero investigar as redondezas.

Abu observou a menina. Ele queria dizer que não... queria impedir ela de ir. Ele odiava a promessa que tinha feito agora, mas como poderia negar para ela a única coisa que estava fazendo ela tentar se adaptar em seu mundo?

- Eu vou com você.

- Sozinha. - Insistiu. - Deus sabe que eu preciso de um tempo longe de você.

Abu concordou.

- Não faça nada idiota. Por favor. Volte antes das 8.

- Me obrigue.

Ela saiu e bateu a porta. Saiu determinada deus-sabe-lá-para-onde. A menina era, decididamente, um problema. E um problema dos feios. Abu fechou mais a roupa, irritado e decidiu que se iam brincar daquele jogo, seria melhor que ele seguisse Natasha por hoje, para garantir sua segurança.

Primavera em árabeOnde histórias criam vida. Descubra agora