O fim de todas as coisas

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A arma disparou.

Seca. Com um estrondo horrível.

Ela disparou e Abu nem conseguia acreditar no que tinha feito ali.

De todos seus impulsos na vida. Ele tinha tirado a vida de um homem.

Abu sabia que Natasha ia relutar com sua decisão machista, especialmente porque na cabeça de Natasha, ela ainda era uma ocidental - e Abu tinha que concordar, ela era. Enquanto estava sentado na delegacia, repetindo a história, ele tentava se lembrar disso, em todos os momentos. Felizmente, ele sabia que a honra valia muito ali, especialmente se Natasha estivesse grávida de um menino - um menino, filho de Abu, valeria muito.

- E ele viu sua esposa nua. - O policial repetiu, anotando com cuidado tudo que Abu dizia.

- E a bateu, como meu médico irá te confirmar. - Concordou o homem, com atenção.

- Com a condição de sua mulher, você está justificado Você puxou o gatilho, ele morreu, e pronto. Nosso trabalho aqui está feito. Não há necessidade alguma de prolongar isso. - O policial comentou.

- Pois é o que eu quero. - Abu concordou, temendo perguntar. - E se for uma menina?

- A pena é capital, são seus herdeiros. Ele a violou.

Abu respirou aliviado, quase sorrindo, pois sabia que manteria ela segura - pelo menos por agora.

Abu ainda tremia com a ideia toda - ele tinha puxado o gatilho, na frente do policial. Sabia que tudo poderia dar errado, mas sim, ele puxou. Abu matou um homem. Isso o condenava, pelo menos aos olhos de Deus, mas ele matou, em nome de sua mulher, e de seu filho que nem havia nascido.

- Vá para casa, senhor Fahid.

- Certo.

Abu concordou, pegando suas coisas e levantando-se da cadeira. Imaginou como tudo seria quando chegasse em casa, mas não sabia bem o que ia dizer. Não sabia bem nada.

Ele sabia que o homem estava morto, e com ele morto, não havia nada que dizia que Natasha deveria ficar... nada, além dele, como marido. O pensamento o sufocou por um momento. Ele sabia que na condição dela, ela poderia querer ir embora e isso o amendrontou - como ela o amaria, se o amor não era mais necessário?

Com todos os medos no estômago, Abu foi para casa.

A morte de Said agora aprecia um pouco mais complicada do que antes - ele havia defendido Natasha e sua honra, mas temia não ter mais honra alguma para defender se ela levasse seu filho para a América. E ele não a condenaria se ela fizesse isso.

Imaginou um filho ou uma filha longe dali, longe dele e se amaldiçoou. Ele a amava, e agora, estava com medo de perdê-la.

Por isso, quando entrou em casa, e encostou a porta, ficou um tanto surpreso ao ver Natasha sentada em uma das almofadas da sala, com o rosto pálido e as energias baixas, o olhando fixamente. Os dois se olharam seriamente, com firmeza e ele soube que ela, de alguma forma, estava determinada.

- Você demorou. - Natasha comentou.

- Sim... eu fui... - Ele suspirou, abaixando as mãos. Ele não podia esconder nada dela, não quando tudo estava em jogo. - Ao mercado.

- Eu entendo. - Ela concordou, sem forçar o corpo que estava em repouso ali. - Eu juntei algumas peças... imagino que você juntou elas também.

- Sim. - Abu caminhou um pouco para a janela, decidindo que não podia olhar para Natasha naquele momento.

- Você está machucado? - Ela perguntou, com um tanto de amor na voz. - Abu... olhe pra mim.

- Não. Não estou. - Ele virou-se para ela. - Eu o matei. Said. - Relevou. - Não sei se foi a melhor escolha ou não mas... eu fiz o que eu tinha que fazer. - E suspirou pesadamente. - E você está livre dele. Tenho certeza que o negócio dele será sustentado por outras pessoas mas... você está livre. Não há mais nada para te segurar.

- E o que isso quer dizer? - Ela perguntou chocada.

- O que eu quero dizer é que antes você não tinha uma escolha... agora você tem. - Engoliu a saliva, que parecia seca como areia.

- Você acha que eu vou embora. - Natasha comentou, quase rindo, nervosa.

- Você não está no seu país.... foi abusada, espancada... eu a forcei a muita coisa também...

- É isso que você quer? - Natasha perguntou. - Que eu vá?

- Não... - Sacodiu a cabeça negativamente. - Não, Nat... eu quero que você fique. Eu quero que você queira ficar.

- Por muito tempo eu achei que eu não ficaria... se tivesse a oportunidade. - Confessou. - Agora... eu estou aqui, com você... tenho você, tenho nosso filho...

- Você quer ficar. - Ele entendeu.

- Não, Abu, eu quero só ficar... eu quero tudo que nós temos. Tudo. Não minha vida sozinha sendo uma jornalista. Eu sou o que eu sou... isso não vai mudar. Porém... temos uma família. Agora temos uma família. Essa casa... seu jeito idiota e machista de me meter a mão na bunda e me dizer pra te abrir as pernas... - Ela sorriu. - Abu, eu te amo.

- Nat... - Ele foi até ela, abaixando-se nas almofadas e pegando-a pelo rosto, com delicadeza, e beijando-a a testa. - É tudo que eu quero.

- E você poderia ter começado me dizendo que ia bancar o machão e matar um homem sozinho... - Ela sorriu, encostando gentilmente no rosto dele de novo. - Foi muito horrível?

- Foi mais fácil do que eu achei que seria. - Confessou. - E isso me assusta. Não me entenda mal... eu estou satisfeito em saber que você está segura, mas eu matei um homem.

- E você pode falar comigo a respeito....

- Posso. - Ele concordou. - Mas eu quero saber o que a senhora está fazendo fora da cama.

- Eu convenci Nima que eu precisava olhar para alguma coisa que não as paredes daquele quarto.... - Ela sorriu amplamente. - Por ela eu teria ficado na cama, nua.

- A ideia parece ótima. - Ele brincou. - Mas eu ficaria mais feliz se você ficasse nada cama.

- Desculpe pela crise hoje no banho.

- Foi medo, você mais do que ninguém pode sentir medo.

- Não com você. - Ela comentou. - Eu confio em você.

- Eu sei que confia. - Ele esticou os braços. - Vem, deixa eu te pegar, vamos para a cama.

- Tudo bem... - Ela torceu o nariz. - E aquela televisão? Vai rolar?

- Aposto que vai querer séries americanas e tudo mais com essa televisão, não é mesmo?

- E pipoca, e picles com mostarda.

- Picles com mostarda! - Ele falou em voz alta, surpreso. - Você podia ser um pouco mais americana do que isso?

- Sempre posso ter coca-cola com esse picles.... - Ela acrescentou.

- Natasha Fahid... você vai ser meu fim! - Ele riu, pegando-a no colo com toda delicadeza do mundo.


Primavera em árabeOnde histórias criam vida. Descubra agora