Capítulo 20 DEGUSTAÇÃO DISPONÍVEL NA AMAZON

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Capítulo extra em comemoração aos 10k de leituras alcançado :)

*-*

 Liana caminhava e xingava ao mesmo tempo. Já era uma cena tão comum que os moradores da cidade nem davam mais bola para quando isso acontecia.

Estava tudo armado por Richard, ela tinha tanta certeza como aquele último paciente de sexta-feira que sempre dizia que era um atendimento rápido e acabava com Liana quase montado em cima da pessoa para extrair aquele siso incluso.

E tudo se confirmou quando Richard enfiou o rosto pela janela da cozinha, enquanto Liana estava comendo uma fruta junto com Peteca, dizendo que havia recebido uma ligação de uma mãe e estava indo atender a criança no consultório, não podendo ir buscar Marina na tal excursão pela escola.

— Mandei uma mensagem para o Maurício e disse que tu ia buscar a Docinho. Ele vai estar te esperando. — Disse já saindo pelo portão. Liana tinha uma boa pontaria quando queria atirar alguma coisa em alguém. Geralmente era o que ela tinha ao alcance das suas mãos, no caso, uma faca.

E agora lá estava Liana, caminhando duro em direção à escola e prestes a reencontrar Maurício depois daquela noite em questão. Ela não estava nenhum pouco nervosa, não seria Liana Chiarelli se apresentasse aquela sensação.

A ação era simples, olhar para Maurício e pedir sua filha de volta. Simples e sem margem nenhuma para erro. O que ela teve com Maurício não tinha nada a ver com a situação em que se encontrava, principalmente com Marina metida no meio.

Se identificou na recepção, com uma conhecida do mercado, e ainda bateu um papo legal. Entrou na escola, coisa que já tinha feito em diversas ocasiões, principalmente para salvar Inácio de alguma enrascada, e pela primeira vez, sentiu alguma coisa dentro de si. Atribuiu isso a quantidade de bolacha e fruta que havia comido com Peteca naquela manhã.

Entrou pela escola, tudo igual como sempre. Caminhou pelo corredor e foi interceptada pela secretária que sempre a atendia, outra conhecida de anos do mercado.

— Liana! Não estou sabendo de nenhuma enrascada do Inácio. Aconteceu alguma coisa com ele ou a Sofia?

— Oi.. Não! — Liana respondeu. — Richard deixou Marina aqui hoje pela manhã. Ele conversou com o Maurício e teve uma emergência no consultório — todas as dores de barriga ou meio grau de febre se tornavam emergência para as mães dos seus pacientes — e me pediu para vir aqui busca-la.

— Ahh, claro! Já atendi tantos pais hoje que até havia me esquecido da Marina e do que o Maurício me pediu. Ele está no pátio com a turminha dela, pode entrar e esperar por eles.

Liana agradeceu e saiu em direção ao pátio, onde já tinha visto algumas apresentações de Inácio e Sofia. Eram sempre organizadas no início, e no final virava uma bagunça generalizada esperada.

Nunca estudou, e nem as escolas anteriores, nessa escola. Ela e Ricardo eram frutos do ensino público da cidade. Desde a primeira série até o último ano do segundo grau. E quando Inácio havia iniciado sua vida escolar, Sérgio queria a mesma coisa. Mas infelizmente a realidade de agora não era a mesma que Liana e Ricardo haviam vivido.

Inácio sempre foi um amor de guri. Sempre alegre, curioso e participativo, ao contrário do que apresentava na escola. Começou a sofrer comentários maldosos sobre a sua paternidade logo nos primeiros anos. Piadas sem graça que o deixavam à margem dos outros colegas, isolado e sem conseguir participar de atividades coletivas. Os colegas eram maldosos e a grande culpa disso não era deles e sim do que ouviam em casa dos próprios pais e familiares.

Demorou um pouco para Inácio ser aceito em uma escola como um aluno igual. E nesta, mesmo sendo na gestão anterior a de Maurício, as coisas começaram a ficar melhor. Apesar de às vezes ainda ele escutar comentários desagradáveis. Muito Liana, Sérgio e Fernanda frequentaram reuniões com professores e diretores de escola para resolverem a situação. E parecia que agora, nos dois últimos anos letivos de Inácio que tudo tinha começado a mudar.

Sérgio era bem grato ao ensino que a escola oferecia aos alunos. Inácio e Sofia eram muito bem acompanhados pelos professores e todo o corpo da escola. Era mais do que esperado que Marina fosse para aquela mesma escola que ela se encontrava agora. E juntando ao fato de que era uma filial da mesma que os irmãos de Richard haviam estudado, e o doutor Matzembecker não oferecia menos que o melhor para os seus filhos — legítimos —, Richard também fazia questão de matricular Marina ali.

Parecia que Liana estava no meio de um grande impasse. E um pouco de maternalismo exagerado, como Richard nomeava. Era até certo ponto aceitável, principalmente pelo fato de Marina ser diabética e usar a bomba de infusão. Ela tinha apenas cinco anos, não entendia a importância e os perigos que poderia correr. Cada alimento deveria ser balanceado dentro de uma dieta restrita, cada machucado cuidado de uma forma especial. E todos aqueles detalhes não eram fáceis de serem analisado por uma criança da sua idade. Quem dirá para que a própria Marina tomasse conta de todos eles.

Era complicada aquela decisão de deixar a filha mais solta e sozinha na escola. Por Liana, ela aprenderia tudo em casa sem risco nenhum de se machucar, comer alguma coisa imprópria, ou até mesmo deixar sua bomba de infusão cair e estragar. Os danos, além de materiais, poderiam ser bem mais caóticos.

O coração de Liana ficava na mão só de imaginar cada um daqueles quadros, quem dirá ter que passar por algum deles. Da última vez que Marina se cortou, enquanto andava de bicicleta, foi quase três meses de curativos diários e o medo constante de que pudesse ser agravada para uma coisa pior. Sem contar possíveis agravantes como a perda de visão e os problemas renais entre outros.

No fundo, ela sabia que não tinha escolha. Tinha que deixar Marina mais solta, sair um pouco da volta dela e da família. Incentivar as descobertas e novas amizades, mesmo que isso a deixasse em frangalhos e vontade de matar um. Richard seria o alvo de todas as tentativas.

Viu o movimento de crianças no pátio e enxergou Marina no meio de uma roda, com Maurício no meio junto com um violão. Todos cantavam e Liana via o modo como sua filha acompanhava a turma. Abriu um sorriso ao ver ela se levantar com toda a turma e sair correndo em direção a outra cadeira e começar tudo de novo.

Marina parecia feliz. E era aquilo o que realmente importava, não era?

O coração de Liana se dividiu em dois pedaços. O de mãe preocupada junto com o de mãe orgulhosa. Era mágico demais ver aquele serzinho que se desenvolveu dentro dela, nasceu numa manhã chuvosa trazendo o brilho para dentro do quarto. Liana nunca foi ser sentimental e expressar seus sentimentos, mas o amor que sentia pela sua filha era único e sem explicação nenhuma para o que ela faria por Marina. Ser mãe foi a única decisão concreta da sua vida, e ela iria do céu ao inferno se fosse o caso.

Não lembrava muito dos seus próprios pais. Muitas das lembranças que tinha eram frutos dos comentários de Sérgio e Ricardo. A grande maioria ela sem se quer sabia dizer se eram reais mesmo. E as fotos não a ajudavam nenhum pouco. Por isso que queria ser mãe, precisava daquele contato tão íntimo com alguém, um vínculo que duraria além da eternidade. Podia ter Sérgio e Ricardo, mas ambos tinham suas vidas e as próprias famílias. Liana queria ter a dela, ter alguém que sempre estaria ao seu lado.

Marina foi tão projetada. Tão sonhada. Quando a confirmação que ela viria chegou, Liana nem acreditou. Ela e Richard nem acreditaram quando o exame deu positivo na segunda tentativa deles. Era perfeito demais. E realmente foi e continuava sendo. Marina era a perfeição em pouco mais de um metro.

Era a sua docinho, a criança que de tão doce, nem mesmo o seu próprio corpo conseguia aplacar toda aquela glicose extra.

Sentiu as lágrimas chegando aos seus olhos ao ver a filha brincando com outras crianças. Realmente chegou à conclusão de que era uma boba. Uma sentimentalista que chorava ao ver o mais pequeno passo que a filha poderia dar. E atribuiu grande parte daquela cena ao fato de que a família estava crescendo um pouco mais. Era aceitável estar naquele estado, concluiu.

Viu Marina olhar em sua direção e abanar alegremente. Liana respondeu o aceno da filha e colocou a mão em cima do seu coração, que se aqueceu com o gesto.

E com isso, chamou a atenção de outra pessoa, que empunhava um violão e corria junto com as crianças. Maurício olhou em direção, pensando em rever Richard, mas teve uma pequena surpresa.

Ou não tão pequena, já que Liana não era nenhum pouco baixa. 

Linha Reta DEGUSTAÇÃO DISPONÍVEL NA AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora