- Então querida, ficas cá até quando? – perguntou Mariana, receosa de que a filha desaparecesse durante mais uma temporada sem deixar vestígios.
- Ainda não decidi. Talvez até domingo. – Isabel pensava noite e dia nessa questão, remoendo-se de dúvidas. Queria partir o quanto antes para junto de João, mas se o fizesse naquele estado de espírito em que estava iria meter-se num problema maior que aquele em que já vivia diariamente. Lançar-se-ia nos seus braços, pondo-se em risco e pior que tudo, trazendo outra pessoa para o seu pesadelo. Não queria sequer imaginar que João fosse prejudicado ou atacado pelo seu fantasma de carne e osso.
- Tu pensas que eu não te entendo, - interveio a mãe, pousando os talheres – sempre achaste que só a Adelaide é que te conhece, mas eu sei muito bem que esta tua vinda traz água no bico.
- Não é nada disso mãe. – reagiu, espantada com o rumo da conversa, mais pessoal que o que habitualmente falava com Mariana. – Estava com saudades vossas.
- Sim, não duvido. – limpou os cantos da boca com um gesto carregado de etiqueta – Mas uma mãe sabe quando a filha está a sofrer. O que se passou lá no sítio onde vives agora? – perguntou sem disfarçar a ironia na voz. Feria-a saber que a filha, a sua princesa, morava num pardieiro, juntamente com um cão horroroso.
- Não sei o que fazer. – confessou, olhando a mãe com carinho e fingindo que não percebera o tom.
- Como assim? Aquele animal tornou a procurar-te? – exclamou preocupada com a ideia de que o ex-genro continuasse a infernizar a filha.
- Não... - respondeu, pouco certa de que ele não andasse sempre a rondá-la – Eu conheci uma pessoa. – conseguiu dizer corando.
- Eu logo vi. E então? Não sabes o que fazer porquê?
- Tenho receio de que o Tiago cumpra o que prometeu. – engoliu em seco com a recordação do dia do julgamento.
- Isabel, tu viveste um horror que eu não consigo imaginar sequer, - pigarreou escondendo a emoção – nunca vivi nada assim, mas isso já passou. Já lá vão cinco anos, não achas que está na altura de ultrapassares isso? – questionou-a carinhosamente.
- Sim, talvez... - uma lágrima caiu desamparada na toalha de linho – Mas prometi a mim mesma só voltar a tentar se encontrasse o tal...
- Já pensaste em recorrer a um psicólogo, psiquiatra? – sugeriu a mãe, incomodada com o facto de que a filha ainda andasse deprimida – Acho que o fantasma agora só continua presente na tua vida porque o trazes dentro de ti.
Isabel olhou a mãe com admiração, aquelas palavras podiam estar mais certas do que Mariana imaginava. Sorriu-lhe, mais animada com a referência a um médico mental.
- Ele é psiquiatra. – confessou, sentindo-se corar mais um pouco.
- E ainda tens dúvidas de que ele é o tal? – piscou-lhe o olho, demonstrando uma rara cumplicidade maternal. – Vem aí o teu pai. Limpa as lágrimas e acabou esta conversa. – disse, retomando o discurso formal.
- Então rapariga? O que tens? Estás doente? – Rosário aproximou-se da sobrinha que criara, uma pobre de Cristo, sem pai desde pequenina, que ficou subitamente órfã depois da sua mãe cometer o suicídio, vinte anos atrás.
- Não tia. Hoje não me apetece sair. – respondeu com maus modos.
- Nem te apetece ir pra borga nem trabalhar! Está aqui uma casa bem arranjada, está! – ralhou, furiosa com a atitude imprestável que aquela rapariga tinha. Não ajudava em casa, não tinha tido cabeça para os estudos, a única coisa que lhe parecia saber fazer era a maquilhagem todas as noites, antes de sair para as discotecas. Se nem isso lhe apetecia há dois dias, algo de errado se passava. – Queres ver que tenho de pedir ao meu patrão para te tratar? – exclamou, pensando na dificuldade que seria conseguir pagar a um psiquiatra daqueles um tratamento.
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A Mala Vermelha
Romance"Levantou-se com o corpo dorido da posição em que estivera nas últimas duas horas em frente ao computador a tentar escrever meia dúzia de linhas, foi tomar um duche e preparar-se para sair. Ficar ali era demasiado deprimente, solitário e doentio. A...