Capítulo 7

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- Quando é que aprendeste yoga? – perguntou João, enquanto esperavam pelo empregado de mesa com a ementa.

- Há cinco anos decidi experimentar, andava nervosa e precisava de encontrar um método natural para lidar com os problemas. – confessou, sentando-se à chinês – Na primeira aula percebi que era aquilo que queria fazer, ser professora de yoga. Estudei, fui tirar a formação, e pronto.

- Mas conseguiste logo fazer aquelas posições todas? Sem nunca ter experimentado antes? – admirava-se da capacidade física dela. Tinha-a observado na última aula, parecia uma mulher de borracha, mas ao mesmo tempo, bastante forte. Não era possível que se ficasse assim de um momento para o outro, pensava desconfiado.

- Eu sempre fiz desporto, cuidei do corpo. Em pequena andei na ginástica acrobática, ainda ganhei umas medalhas, e o yoga precisa de muita elasticidade, principalmente da coluna. – explicou, sorrindo para o empregado que chegara naquele momento cerimonioso com as cartas da ementa.

João ignorou o funcionário, como habitualmente fazia, mais por hábito, que snobismo, continuando concentrado nela e na conversa dos dois, ligeiramente aborrecido pela interrupção do homem.

- Obrigada. – disse Marta educadamente, fazendo uma pausa na atenção a João, voltando-se para o empregado. – És sempre assim tão rude com as pessoas? – perguntou-lhe de chofre assim que o homem se retirou.

- Rude? Como assim? – reagiu espantado.

- Eu diria mesmo mal educado. – recriminou-o, virando-se para a grande ementa.

- Mas eu tratei mal alguém?

- João, ignorar alguém que te vem servir é extremamente indelicado. Se fosse eu a empregada, cuspia-te na comida. – disse, sorrindo para os nomes das comidas chiques.

- Não me apercebi. – comentou com honestidade – Talvez faça isso sem notar. – dedicou um pouco de tempo a matutar naquele advertimento, enquanto decidia o que comer. Isabel também o criticava pela mesma razão, mas estranhamente João nunca concordara com as suas queixas. – Lavagante, é isso que me esta a apetecer...e... sangria de champanhe. Aqui é deliciosa, tens de provar.

- Parece-me bem, a sangria, claro. Para mim pode ser a salada de verão. – olhou-o satisfeita, pousando a ementa. – Chama o empregado.

João obedeceu e sentiu-se ligeiramente encavacado ao perceber que o funcionário trazia uma atitude de descontentamento no seu semblante. Ela tinha razão, tinha sido malcriado.

- Já escolhemos. – tentou olhá-lo o mais diretamente possível, sorrindo de forma simpática, para tentar remediar a má impressão que tinha dado. Não queria sequer imaginar que o seu lavagante pudesse trazer uma cuspidela de rancor por cima. Fez o pedido e agradeceu, submissamente.

- Assim está melhor. – comentou Marta orgulhosa da sua atitude mais cívica. – Vês?, não custa nada sermos simpáticos.

- Eu não quero é que ele me cuspa o prato. – explicou João genuinamente preocupado.

Marta soltou uma gargalhada, ele parecia uma autêntica criança em certas ocasiões. Era tão enternecedor observar como a sua mente funcionava, tão autêntico e básico.

- Nem o teu prato, nem a nossa sangria, porque eu não lhe fiz mal nenhum e não tenho de pagar por isso. – exclamou, levantando-se e pedindo licença para ir ao wc.

João ficou a observá-la, aos seus modos educados e cheios de classe, naquele ambiente, parecia-lhe diferente, num meio mais snob. Escolhera aquela cervejaria porque a frequentava com regularidade, e porque se lembrou que poderiam levar Filipe com eles, se comessem na esplanada. Uma mulher humilde, e João já não tinha bem a certeza de que ela fosse de origens pobres, ficaria intimidada ou maravilhada com os nomes pomposos da ementa, os salamaleques dos empregados e os diferentes talheres. Mas Marta encaixava em todos os cenários, desde o tanque da roupa onde lavava os lençóis, ao clima betinho que ali se respirava. Apenas a sua aparência a fazia destoar, mas nem isso a incomodava ou inibia. Entrara naturalmente, sentara-se à chinês e fora mais Senhora que muitas tipas, filhas de muito boa gente fina da cidade, com quem já ali partilhara umas Sapateiras. Era um absoluto quebra-cabeças aquela mulher.

A Mala VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora