- Minha Nossa Senhora! – exclamou Rosário, horrorizada com a confusão da casa, normalmente impecável e limpa. Parecia que por ali tinha passado um furacão, lamentava-se surpresa. Poisou a sua carteira no armário da entrada e começou a colocar tudo nos devidos lugares, bufando. – Mas o que lhe terá passado pela cabeça? Será que entrou em casa com os copos? – perguntava em voz alta, quando se erguia com uma moldura na mão e viu Filipe a olhá-la em silêncio, sem se mexer – Jesus Cristo, Virgem Santíssima... - sussurrou com a garganta seca, a entrar em pânico. O cão não se movia, continuando o seu "scanner" perturbador, e Rosário encostou-se trémula à porta de casa, chamando pelo patrão com a voz quase em surdina.
Isabel dormitava na cama, depois de ter sido acordada por João na casa de banho a tomar duche. Era muito barulhento, constatava satisfeita, a deixar-se preguiçar. Batia portas, dava encontrões em tudo e deixava cair o champô com toda a força nos pés, praguejando alto e bom som. Hábitos de quem vivia sozinho há muito tempo, matutava, sentindo-se apaixonada por tudo o que lhe dizia respeito, até os pequenos defeitos. Sentiu uma necessidade urgente de o ir surpreender no banho e abraçar, quando ouviu uma voz trémula e pouco definida a chamar por João, lembrando-se repentinamente da empregada dele e de Filipe, que ficara isolado do lado de fora do quarto toda a noite. Levantou-se num pulo, vestiu a primeira coisa que lhe apareceu no chão do quarto e correu a socorrer a senhora que deveria estar em pânico.
- Desculpe, esquecemo-nos do Filipe... - abordou-a, agarrando na coleira do animal que se mantinha impávido a amedrontar a mulher empalidecida. – Bom dia, chamo-me Isabel. – estendeu-lhe a mão, sorrindo e sendo cumprimentada de volta.
- Bom dia menina, eu é que peço desculpa, devia estar a descansar. Mas tinha receio que o cão me mordesse. – conseguiu dizer no meio do espanto por dar de caras com uma mulher ali dentro. Nunca tal tinha acontecido em todo o tempo que ali trabalhava. Sabia sempre dizer quando o Dr. recebia visitas femininas, mas estas nunca ali pernoitavam.
- Eu vou levá-lo para o quarto. – disse, arrastando o animal pesado.
- Vou fazer o pequeno almoço para o Dr., gosta de torradas e café?, é o que ele toma sempre! – perguntou decidida a agradar a rapariga simpática.
- Sim, claro. Qualquer coisa. Obrigada, até já. – encaminhou-se para o quarto e fechou a porta, feliz por ainda ouvir a água na divisão do lado. Agora com outra pessoa em casa as suas intenções esmoreciam, não se sentia confortável com a ideia, matutava enquanto se despia, mas tinha mesmo de tomar banho, e talvez ele já estivesse a acabar, dando-lhe espaço para ela se arranjar. Entrou numa nuvem de fumo que cegava completamente e tacteou o espaço para encontrar a pega da porta do chuveiro, entrando silenciosamente, excitada como uma criança mal comportada que regozijava com alguma partida prestes a surpreender.
- Deves ser telepática, estou há que tempos a pensar nisto. – brincou, agarrando-a.
- Porque não me acordaste antes? Estás aqui a gastar água há "horas", desnecessariamente. – gozou Isabel, entrando para debaixo da pressão do chuveiro moderno. – Só acordei porque fazes imenso barulho e o Filipe estava a amedrontar a tua empregada, coitada, estava aflita com medo dele.
- A Rosário já chegou? Bolas... - reclamou, chateado, beijando-lhe o pescoço.
- Sim, porquê? – esforçava-se por se manter consciente e a respirar, com a água a cair-lhe diretamente na cabeça e o corpo amolecido sem forças.
- Isso quer dizer que já só temos uma hora... e para o que eu tinha imaginado é pouco tempo. – explicou, encostando-a à parede fria de azulejo, comprimindo-a contra si.
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A Mala Vermelha
Romance"Levantou-se com o corpo dorido da posição em que estivera nas últimas duas horas em frente ao computador a tentar escrever meia dúzia de linhas, foi tomar um duche e preparar-se para sair. Ficar ali era demasiado deprimente, solitário e doentio. A...