Capítulo 11

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João entrou em casa cabisbaixo e aindamais maldisposto do que antes. Arrastara-se até ao "Pírulas",na tentativa de desanuviar um pouco, mas a conversa com o segurançado bar ainda o perturbou mais. Janota não tinha nascido em CasteloBranco, mas por coincidência sabia quem era a família de Isabel,toda a gente ligada à cidade em questão os conhecia, e as novidadesnão eram animadoras, constatou João. O julgamento de Tiago, oex-marido de Isabel, tinha sido o maior escândalo de sempre naquelacidade, comentado em todo o lado. O pai dela, então Diretor doserviço de Medicina Legal do Hospital, estava em processo decandidatura às eleições para a Câmara Municipal, e tinha sidoafastado do processo de recolha de provas periciais pela defesa,ficando a chefiar o departamento um antigo colega de Tiago, diziam asmás línguas, que tratou de ajudar o amigo, sem sequer disfarçar.Isabel tinha sido considerada "doida", com um processo vazio defactos, e histórias mirabolantes de crimes que nunca foram provados.Acabou internada por ordem do juiz, por seis meses, aconselhado pelasperícias psiquiátricas de um outro conhecido do ex-marido. Quando oadvogado dela conseguiu anular aquela crueldade, já o prazo passarae Isabel havia voltado para casa. O pai dela, pressionado pelopartido, que não tinha outra hipótese de candidato compossibilidades de vencer a eleição, nunca intervira em todo oprocesso. Ficara a ver de fora, e segundo alguns familiares deJanota, fora o culpado de Isabel ter sido negligenciada emjulgamento, um traste, segundo a sua tia. Janota ouvira váriasconversas sobre o caso na altura, e recordava-se de ter ficadochocado com o provincianismo que ainda se vivia em certos locais dointerior do país. Lamentou honestamente que Marta fosse Isabel,disponibilizando-se para a ajudar, se algum dia fosse preciso, odiavamachistas, e se pudesse, mostraria ao tal Tiago qual era a sensaçãode levar uns murros de alguém maior que ele.

Tentounovamente ligar-lhe, mas o telemóvel continuava desligado, no voicemail, ainda sem mensagem de voz personalizada. Mandou-lhe umamensagem de boa noite, juntamente com um desabafo "Mais uma vez,desculpa. Vou ligar-te todos os dias, até me ouvires. Se precisaresde mim, liga. Não desapareças, por favor."

Olhoulongamente o aparelho, sentindo-se miserável e perdido. Comopoderia aquilo estar a acontecer-lhe? Aquela maluca entrar-lhe pelacasa a dentro, mesmo na hora em que Marta abria a guarda e começavaa deixá-lo entrar?

Engoliuum comprimido para dormir e ficou a torturar-se com as duas fotos queela lhe mandara ao jantar. Adorava-a, e não só porque era perfeitae bonita. Tinha qualquer coisa de familiar dentro dela, que opreenchia e descontraía. Não sabia explicar o quê. Ainda nemsequer a abraçara e já sentia mais paixão que nos primeiros temposcom a mulher, Isabel. Era estranho que tivessem o mesmo nome, atéconfuso e perturbador, pensava. As duas mulheres de que tinhagostado... Lamentou-se por não ter sido o homem perfeito para aprimeira, com quem a dada altura travara batalhas inglórias sobretudo e nada, como se fossem inimigos de sangue e ele precisasse de avencer, recusando-se simplesmente a ceder e a fazer-lhe as vontades.Poderia ter tido um casamento mais feliz, sem dramas, feito um filho,mas nunca o conseguira com ela. Simplesmente recusara-se a ser seu,por inteiro, e tinha a certeza de que isso também a tinha matado.Gostava de um dia confessar tudo aquilo a César, libertar-se da suaeterna culpa conjugal, respirar fundo com a absolvição profissionaldo amigo, talvez acabasse a carta e lha entregasse, mais diamenos dia iria fazê-lo. Sentia que só assim poderia começar comMarta, Isabel, corrigiu, sem fantasmas ou angústias. Desta vez seriatodo dela, da sua Isabel.

Néliaentrou em casa de João uma hora antes que o horário normal da tia.Convencera-a a ficar na cama, depois de uma noite de febre e mauestar, comprometendo-se a substituí-la no seu trabalho, da formamais discreta possível. A sua verdadeira intenção nem sequer eraencontra-lo acordado, muito menos preparar-lhe o pequeno almoço,apenas tentar concluir a sua vingança. Ninguém tinha o direito de atratar como uma prostituta, e se o plano de conseguir seduzir opsiquiatra já não era viável, pelo menos ele não se ficaria arir quando se recordasse daquela noite. Certificou-se de que Joãodormia, e tal como a tia a tinha informado, levaria bastante tempo aacordar, efeito das drogas que tomava. Despiu-se da cintura para cimae, com todo o cuidado, deitou-se ao seu lado, fotografando-os devárias perspetivas, sempre com o cuidado de não lhe tocar. Saiu doquarto rapidamente, vestiu-se no hall de entrada e saiu, fechando aporta. Agora era esperar pelo momento certo, pensou vitoriosa.



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