Capítulo 14

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A casa continuava igual, como Tiago se lembrava da primeira vez que forçara a entrada, muitos anos antes. A idiota era descuidada, não trancava as janelas, tinha a mania que ainda vivia no Solar, onde alguém sempre atento lhe trataria da segurança e comodidade. Entrou calmamente, observando tudo pormenorizadamente, à espera de ver sinais claros de que já enfiara outro homem na cama. Estava tudo limpo e arrumado, a cama só tinha uma almofada, o que o tranquilizou um pouco, talvez estivesse a imaginar coisas, concluiu. Espreitou na pequena casa-de-banho, uma escova de dentes, um champô de mulher, sabonete de glicerina, como ela gostava, nada de presenças secundárias por ali. Caminhou até à cozinha, inspecionando tudo, sentiu uma raiva a crescer-lhe no peito ao observar as duas chávenas no escorredor, o estupor já bebia chá com ela... Abriu o cesto da roupa suja, tirou peça por peça, tudo de mulher, concluiu satisfeito, cheirando-as num instinto doentio de saudades. Guardava a roupa novamente, quando umas calças se soltaram embrulhadas no meio de uma das suas longas saias, sentiu-se corar de fúria, eram demasiado grandes para ela as usar, de homem, rosnou. – Vaca... - soltou, dirigindo-se à sala de prática, disposto a vingar-se. Tirou da sua mochila a lata de tinta vermelha em spray, abanou-a e deixou-lhe o recado. Curto e grosso. Ela iria entender.



João estacionou o carro à porta da casa de Marta, retirou Filipe do banco traseiro, e seguiu-a até casa, observando a sua elegância natural de mulher confiante. Ainda não tinham tido oportunidade de falar sobre o que estava a acontecer com os dois, mas já percebera que ela não era muito dada a esclarecimentos teóricos sobre os seus sentimentos. Isso angustiava-o um pouco, mas por outro lado, deixava-o numa expectativa excitante. Poisou o cão no seu cesto da entrada, fazendo-lhe uma festa e entrou em casa, tirando os sapatos à entrada, como ela fazia. Era um hábito diferente, mas que curiosamente o fazia sentir-se confortável e relaxado. Marta levou o seu saco de viagem até ao quarto, arrumou o que estava limpo e levou a roupa suja para o cesto na cozinha. Franziu o sobrolho ao ver a tampa torta, levantou-a e espreitou, sentindo uma azia estranha. Seria imaginação sua, ou a última peça que lá pusera era o pijama e este não aparecia no cimo da roupa? João surgiu distraindo-a das suas paranóias, e trazia consigo uma energia que lhe pôs o cérebro em pausa, apagando tudo. Mais uma vez não falaram nada, absorvendo apenas a química que os envolvia, e que já tinham adiado bastante tempo. João pegou nela e levou-a instintivamente para a sala de prática, sem saber bem porquê, parecia-lhe o sítio ideal para terminar aquele dia, sob o olhar sábio e protetor de Ganesha. Marta abriu a porta com o braço livre, e o outro a rodear o pescoço de João, que a beijava apaixonado. Sentiu-o a baixar-se até ao chão, sentar-se em posição de lótus, mantendo-a no colo, e sorriu interiormente, afinal ele tinha lido o livro, pensou satisfeita. Fez uma pausa, olhando-o apaixonada, a sentir-se completamente rendida, em êxtase, pronta para lhe dizer que sim, que também o adorava, quando João ficou subitamente hirto, com os olhos furiosos, a fixar a parede, sobressaltando-a.

- Marta, o que é isto? – sussurrou, fazendo-a voltar a cabeça para o local.

- AH.... – engoliu o grito de horror, agarrando os braços de João à procura de apoio.

João abraçou-a, a sentir-se ferver por dentro, sentia-a a desfalecer em silêncio, sem explicar o que poderia ter ali acontecido, queria berrar e abaná-la, mas primeiro tinham de sair dali. A imagem grotesca, desenhada na parede a cobrir os deuses hindus, acompanhada de palavras de ódio e ameaças, eram demasiado fortes para aguentar. Fugiram para a rua, sentando-se nas escadas da entrada, com a garganta seca, um ao lado do outro. Marta olhava o infinito em transe, sem se mexer, parecia pensar em algo muito triste ou terrível, concluía João, sem saber o que fazer para que ela reagisse. Abraçou-a, encostando a cabeça dela no seu peito e deixaram-se ficar assim, até que Marta se decidisse a falar.

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