- Posso entrar? – perguntou docemente depois de bater na porta entreaberta do quarto de João.
- Sim. Boa tarde. – respondeu meio espantado com a visão daquela mulher vistosa que lhe sorria familiarmente.
- João... meu amor... - choramingou, aproximando-se da cama devagar, enquanto avaliava a reação dele.
- Desculpe, conhecemo-nos?
- Sou eu, a Isabel. – disse mentindo descaradamente e sentando-se na cama de forma íntima.
- Isabel...? – aquele nome não lhe parecia totalmente desconhecido, mas, ou a proximidade física entre os dois estava a ser demasiado rápida, ou a memória daquela cara não existia simplesmente.
- Querido... estive no estrangeiro quando tudo aconteceu... não fazia ideia de que tinhas sofrido um acidente... quando cheguei hoje a nossa casa e não te vi fiquei em pânico! – explicou, agarrando-lhe nas mãos suadas dos nervos, o que a deliciou – Mas não te preocupes, agora vai ficar tudo bem!
João endireitou-se na cama, para respirar melhor e afastar-se do cheiro do perfume da mulher, que o enjoava ligeiramente, com uma ansiedade a crescer-lhe no peito. Esperara por aquela visita durante vários dias, quando a consciência do que lhe tinha acontecido permitiu o surgimento de várias questões práticas sobre o seu passado. Mas, ao contrário do desejado, não sentia nada ao olhar nos olhos da mulher que se identificava como seu amor.
- Desculpe... mas explique-me com calma quem é... - conseguiu dizer com a boca a secar-lhe.
- Claro, eu não devia ter entrado assim nervosa. Estive tanto tempo sem te ver... e quando soube que estavas aqui... felizmente o acidente não te magoou... - disse, observando-o com cuidado – Eu sou a tua namorada, Isabel. Vivemos juntos há algum tempo, eu sei que não te lembras de nada, o Dr. César explicou-me. – acrescentou, no exato momento em que o médico entrou no quarto e interrompeu o seu discurso.
- Bom dia. – exclamou confuso ao ver uma mulher de mãos dadas com João, que parecia aterrorizado – O que é que passa aqui? – Não se recordava de ter autorizado aquela visita, ou sequer de alguma vez a ter conhecido.
- Bom dia, Dr. – disse João – Esta é a Isabel. – explicou, surpreendido com o visível espanto do médico.
- A Isabel? – virou-se instantaneamente para ela, à procura de uma resposta para toda aquela loucura.
- Sim, a Isabel, não se recorda? Falámos ontem ao telefone. Sou a namorada do João. – encarou-o firmemente, estendendo-lhe a mão – Prazer em conhecê-lo pessoalmente.
- Prazer. – respondeu gravemente, a sentir-se ferver de raiva com aquela situação lunática. – Pode por favor acompanhar-me ao meu gabinete? Precisava mesmo de conversar consigo.
Nélia levantou-se, beijou João na boca e fez-lhe uma festa carinhosa, sossegando-o.
- Eu volto já amor.
- Faça favor. – César abriu-lhe a porta e sorriu a João, para não o alertar ainda mais. Sabia que não tinha disfarçado o nervoso daquele encontro e seria ainda mais difícil explicar-lhe tudo depois de perceber o que quereria aquela mulher misteriosa que se intitulava macabramente de Isabel, utilizando o nome das duas mulheres do passado de João.
Caminhou em silêncio até ao fundo do corredor, seguido por Nélia que não demonstrava qualquer constrangimento com aquela conversa privada e fazia a sua primeira análise do que estava a acontecer. Uma oportunista sem escrúpulos, gritava-lhe a sua vozinha interior.

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A Mala Vermelha
Romance"Levantou-se com o corpo dorido da posição em que estivera nas últimas duas horas em frente ao computador a tentar escrever meia dúzia de linhas, foi tomar um duche e preparar-se para sair. Ficar ali era demasiado deprimente, solitário e doentio. A...