Capítulo 10

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Registou com emoção oprimeiro contacto no seu novo telemóvel, depois de alguns anos de"abstinência" telefónica regular, com o nome de João M,guardando o número pessoal dele nos favoritos. Ficou uns momentos acontemplar aquele nome, tão longe e tão perto, à distância de umtoque, quando foi acordada do seu transe pela voz da mãe quefinalmente escolhera o fato ideal.

- Isabelinha, vamos? – perguntou animada coma próxima tarefa maternal, vestir decentemente a sua menina.

- Mãe... estou cansada. Vamos voltar paracasa. – suplicou, escondendo o aparelho na mala, depois de se terlivrado da caixa, instruções e papeladas inúteis.

- Nem penses. Vais fazer-me este gosto. –agarrou-lhe num braço e encaminhou-se para a loja perfeita.

- Mas por favor, só um vestido, pode ser?

- Menina, primeiro experimentas, depoisfalamos. – rematou, sem dar hipótese a discussão.

Entraram na loja sofisticada, sendoprontamente rodeadas de assistentes de compras, que educadamente sedisponibilizaram para as ajudar. Mariana instruiu as raparigas,explicando o tipo de roupa que pretendia para a filha, e uma azáfamade tecidos, peças, mulheres e nervos agarraram em Isabel, levando-apara os provadores. Dezenas de hipóteses diferentes lhe foramapresentadas, sendo que a maioria nem sequer passava pela suaprimeira avaliação, rejeitando qualquer tecido espampanante oumetalizado. Depois de muito vestir e despir, um simples conjuntopreto lhe assentou como uma luva, revelando todas as suas curvas bemfeitas e pernas esguias, transformando a Marta em Isabelinstantaneamente. Uma antiga conhecida a olhava de frente, rodandocom ela no espelho, trazendo-lhe a memória de como um dia tinha sidofeliz na pele dela, antes de Tiago. Aquela mulher bonita e modernairradiava confiança na sua figura, e seria o par perfeito para João,o Dr., constatou corando.

- Meu amor! Estás linda! Esse tens de levar!– exclamou a mãe entusiasmada.

- Não sei... gosto dele, de facto. –confessou, mirando-se mais uma vez de todos os ângulos – Mas iausar isto quando? – uma ideia surgiu-lhe na mente, o aniversáriode João seria uma boa ocasião, mas não se sentia capaz de setransmutar à frente dele. Só lhe tinha mostrado a Marta, yogi,simples, e lésbica, pensou angustiada. Como poderia aparecer-lhe àfrente com aquela versão feminina de si mesma?

- Uma mulher precisa de ter uma coisa destasno guarda-roupa! – sentenciou Mariana – Levas este e todos osoutros que separei por ti.

Isabel olhou o monte de roupas que asfuncionárias seguravam satisfeitas e resignou-se. Talvez fosse boaideia ter uma alternativa à sua disposição.




- Dr., sente-se bem? Quer que chame um médico?– perguntou Diana aflita ao entrar no gabinete e ver o patrão adesfalecer na secretária, pálido e ofegante.

- Cancele as consultas da tarde. Tenho de irpara casa. – levantou-se cambaleante, agarrou nas suas coisas esaiu, sem notar que a sala o observava curiosa.

Arrastou-se até à garagem, esforçando-sepor respirar devagar, entrou no carro e deixou-se ficar uns minutosno silêncio do espaço escurecido. Precisava de se acalmar, tiraraquelas frases da cabeça, vê-la de carne e osso e certificar-se deque estava bem. A ideia de que ela voltara sozinha para o local ondetudo aquilo se tinha passado, e que ele lá pudesse estar, punha-o empânico. Estava demasiado longe para poder ajudá-la, para aproteger, lamentou-se.

O telemóvel tocou, e João agarrou-oprontamente, olhando o número com indicativo espanhol espantado. Nãoconhecia ninguém em Espanha.

- Estou?

A Mala VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora