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Durante os meses subsequentes, Maurício praticamente encontrava Marcos e Márcio apenas para comer, trocar poucas palavras e, logicamente, nos corredores do hospital, isso quando seus horários coincidiam. Assim, comunicavam-se por bilhetes afixados na geladeira ou mensagens deixadas e, na maioria das vezes, lidas bem depois no celular.

As horas intermináveis continuavam como uma punição, que testava os limites de resistência e paciência de todos os residentes e demais funcionários do hospital onde trabalhavam...

Para Maurício, depois do ocorrido, era uma satisfação quase mórbida não ter tempo para pensar, refletir, questionar-se. No entanto, não conseguia remover Paulo de sua mente e toda a situação envolvida... o que ele fizera deixara Maurício com uma angústia profunda, uma dor no peito, no estômago e, principalmente, na alma incurável.

E, o famoso "e se?" insistia em ser companhia constante de Maurício até nos seus sonhos:

E se tivesse ficado na África?

E se ele tivesse vindo ao Brasil comigo?

E se ele não tivesse conhecido Raul?

E se tentasse conversar com ele mais uma vez?

E se...

E se...

E se.

E não havia resposta. O que era o pior de tudo.

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Era uma sexta-feira de manhã, quando Maurício entrou no vestiário e encontrou a palavra VIADO pichada na porta do seu armário com tinta vermelha... imediatamente, chamou os responsáveis pela limpeza que não souberam dizer quem poderia ter feito aquilo e se propuseram a pintar novamente. Maurício resolveu não comunicar o diretor do hospital.

No dia seguinte, quando procurou seu caderno de anotações, descobriu que o mesmo havia sumido, perdendo, assim, tudo relativo aos seus pacientes e rondas. Procurou, procurou, perguntou para os mais conhecidos e ninguém o havia visto em parte alguma.

"Talvez eu o tenha esquecido em outro lugar", pensou, mas sabia que estava enganado.

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O mundo externo deixara de existir, simplesmente assim.

Maurício sabia das notícias por meio de conversas, mas nada mais importava, a não ser seu trabalho, que acabava salvando-o de si próprio e de seus pensamentos loucos.

Eram os colegas de trabalho que tornavam o dia a dia suportável, pois a maioria se dedicava a curar, a aliviar o outro, salvar vidas... Maurício observava com alegria (apenas nesses momentos) os milagres que seus colegas realizavam todos os dias e isso proporcionava acalento ao seu coração e alma machucados, misturado a um misto de orgulho por fazer parte de tudo isso.

Mas havia momentos de tensão! E era na emergência que surgiam pessoas chegando e sofrendo de todos os males curáveis e incuráveis, em situações estranhas e deploráveis.

As longas horas no hospital e as constantes pressões impunham um stress enorme a médicos, enfermeiros e demais funcionários que ali trabalhavam. A maioria era separada, pois o ou a parceira não suportavam a ausência, as constantes idas e vindas sem hora, sem dia, sem nada. Por esse motivo, as ligações sexuais acabam acontecendo como uma válvula de escape, mas Maurício nunca havia se interessado, muito menos agora. Seu corpo estava "fechado" para sexo, para carinho, para outro ser humano. O que dirá de seu coração.

O outro residente, doutor Rian, o qual Maurício tinha um grande apreço e estabelecido um vínculo de amizade, contou-lhe que sua mulher não estava suportando sua ausência. Ela estranhava suas ausências sem horas definidas e reclamava que a filha de ambos de apenas dois anos não conhecia mais o pai.

Maurício lhe perguntou:

___ Você já trouxe sua esposa para visitar o hospital alguma vez?

___ Nunca.

___ Por que não a convida para almoçar aqui com você e a apresenta aos seus colegas de trabalho?
Assim ele perceberá como é a correria aqui, e o tão importante você é nesse hospital.

Sorrindo, Rian respondeu:

___ Boa ideia. Vou convidá-la. Obrigado, meu amigo. Você gostaria de almoçar conosco?

___ Claro. Adoraria conhecer sua esposa.

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E assim foi feito.

A esposa de Rian, Mariane, era muito educada, inteligente e simpática. Era linda também e vestia-se com elegância. A filhinha deles, Ana Laura, era uma doçura e encantou todos que por eles passavam no refeitório do hospital.

___ Está gostando da nova vida, Mariane? – perguntou Maurício.

___ É... – respondeu ela hesitante e seu rosto se transformou em uma máscara de tristeza – estou, mas me sinto como uma estranha aqui, pois fico praticamente o tempo todo sozinha com a Ana Laura. Quase não vejo Rian.

___ Sim, eu sei que deve ser difícil conciliar sua vida com os horários de Rian. Mas, por outro lado, você está vendo como funciona esse hospital e o trabalho que seu marido e todos nós realizamos aqui.

___ Claro! Sei que ele é ocupado demais, aliás, todos vocês são. Mas sinto falta, muita falta de quando ele podia ficar mais tempo conosco em casa. – respondeu ela com nostalgia e tristeza.

Continuaram a conversar e comer, rindo de lembranças que Rian contava. Enquanto dialogavam, um homem entrou no refeitório, ficando de costas para onde eles estavam sentados. Maurício sentiu um arrepio pelo corpo, pois era Paulo ali. O homem virou-se. Era um estranho e Maurício pensou consigo mesmo "Tenho que esquecê-lo. Acabou. Ele me trocou por outro. Ele não valorizou nada do que passamos juntos, nossa história."

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