41 - Epílogo

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Era o último dia do julgamento.

O advogado de defesa, Guilherme Daldegan apresentava suas alegações finais ao júri e ao juiz.

___ Senhores e senhoras, ouviram muitos depoimentos sobre a competência ou incompetência do doutor Maurício. O juiz Silvério vai instruí-los que o julgamento não tem nada a ver com isso. Tenho certeza de que para cada médico que não aprovava seu trabalho, poderíamos apresentar uma dúzia que o aprovava. Mas não é essa a questão. O doutor Maurício está sendo julgado pela morte do senhor Pietro Shwatz. Ele admitiu que o ajudou a morrer e fez isso porque ele sentia uma dor imensa e pediu-lhe que o ajudasse. Isso é eutanásia, algo que se torna mais e mais aceito no mundo inteiro. Há casos em que tribunais permitiram essa prática, desde que comprovadamente que o paciente era terminal o que era o caso do senhor Pietro Shwatz. É o indivíduo que deve escolher viver ou morrer, é um direito da pessoa, do ser humano. A eutanásia é um crime sim, mas de compaixão, de misericórdia, e digo que uma forma ou de outra, em todos os hospitais do mundo ocorre sem ninguém saber, apenas o paciente e seu médico, que se torna um anjo de alívio da dor. Assim, jurados, não deixem que o advogado de acusação os confundam. Jamais houve uma condenação de morte por eutanásia. Em pesquisa recente, mais da metade da população brasileira pede para que ela seja legalizada, e isso já ocorre em dezenas de países ao redor do mundo. A questão é muito, mas muito simples: temos o direito de obrigar pacientes impotentes a viverem com dor, a permanecerem vivos no sofrimento? A questão se tornou mais complicada por causa dos avanços da tecnologia médica, pois entregamos pacientes aos cuidados de máquinas e essas não têm misericórdia. Se um cavalo quebra uma perna ou sofre de uma doença degenerativa, nós acabamos com seu sofrimento por meio de um tiro. Como um ser humano, nós condenamos a uma meia vida que é um inferno. O doutor Maurício não decidiu quando o senhor Pietro morreria, pois foi o próprio paciente quem decidiu. Não se deixem enganar a respeito, pois o que o doutor Maurício fez neste caso foi um ato de misericórdia, assumindo plena consciência e responsabilidade por isso. Mas tenham certeza de que ele não sabia sobre o dinheiro que lhe foi deixado. O que o doutor fez foi um ato de compaixão! O senhor Pietro era um homem com o coração e estado precário e um câncer terminal, incurável, que se espalhara por todo o seu corpo, causando-lhe profundas dores e agonia vinte e quatro horas por dia! Devem se fazer uma única pergunta: nessas circunstâncias, vocês gostariam de continuar a viver? Obrigado.

Ele terminou sua fala, voltando-se para a mesa onde Maurício estava.

O advogado de acusação levantou-se e ficou em frente ao júri, esbravejando:

___ Compaixão e misericórdia? Senhores e senhoras, exerço a advocacia em tribunais há mais de quinze anos e afirmo que nunca vi um caso mais claro de inequívoco de assassinato deliberado e a sangue frio visando ao lucro! A defesa também falou sobre eutanásia. O doutor Maurício fez o que fez por um sentimento de compaixão? Não acredito! De jeito nenhum! O doutor Maurício e outros que estiveram testemunharam que o senhor Pietro só tinha mais uns poucos dias de vida. Por que ele não o deixou viver por esse período? Talvez tenha sido porque o doutor Maurício receava que a esposa do falecido tivesse conhecimento da mudança do testamento do marido e tomasse alguma providência. É uma extraordinária coincidência que logo depois do senhor Pietro ter mudado seu testamento, deixando um milhão de reais para o doutor Maurício, ele tenha lhe dado uma overdose de insulina que o levou à morte. Por várias vezes o réu condenou-se com suas próprias palavras, pois disse que mantinha um relacionamento amigável com o senhor Pietro, que o paciente o estimava e respeitava. Mas todos nos ouvimos testemunhas afirmaram totalmente o contrário! Um advogado testemunhou que o doutor Maurício disse a respeito do milhão de reais afirmando que "Não é ético. Ele era meu paciente", mas mesmo assim ele ficou com o dinheiro, pois precisava dele. Ele só precisava do dinheiro e da oportunidade e isso o senhor Pietro lhe proporcionou. Um homem agonizante e impotente que o médico podia controlar como quisesse! Tinha à sua mercê um homem que o próprio doutor Maurício admitiu que sofria muita dor! Agora, sendo bem objetivo, quando se sente esse tipo de dor podem imaginar como deve ser difícil pensar com lucidez? Não sabemos como o doutor Maurício persuadiu o senhor Pietro a mudar seu testamento, cortando a família que ele amava e deixando apenas o seu médico como único beneficiário. O que sabemos é que ele o chamou naquela madrugada fatal. Sobre o que conversaram? Não sabemos! De qualquer forma, o senhor Pietro foi assassinado a sangue frio! Senhores e senhoras, durante este julgamento sabem quem foi a mais prejudicial de todas as testemunhas?

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