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Certo dia, andando pela Avenida Paulista, em um dos raros momentos sem estar no hospital, Maurício vê, ao longe, Paulo... ele está de costas e falando ao celular. Sem se preocupar com carros brecando, buzinas e xingamentos, Maurício atravessa a avenida praticamente correndo em direção àquele por quem seu coração ainda bate. Ao chegar até onde ele estava, pegou-o pelo ombro.

___ Paulo!?!

Um homem estranho virou-se, encarando-o com expressão de surpresa e medo.

___ Paulo?

Era um completo estranho.

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Ao serem residentes "antigos", Maurício e Marcos passaram a realizar cirurgias com frequência.

Marcos trabalhava com médicos na neurocirurgia e sempre se espantava com o milagre complexo dos neurônios, verdadeiros "computadores" existentes no crânio. Considerava emocionante e sensacional!

Sentia respeito e admiração pela maioria dos colegas, pois eram cirurgiões competentes e comprometidos. Infelizmente, havia médicos que o faziam quase desistir, tanto pela incompetência como profissional quanto pela insistência em tentar "comê-lo", palavras utilizadas muitas vezes por esses ignorantes e deixadas de lado por Marcos. Recebia cantadas direta indiretamente. Não entendia o motivo dessa falta de respeito, visto que jamais se insinuara ou sentira atração por qualquer pessoa do hospital. Claro que ninguém é bobo e percebiam que ele era gay, mas isso não dava o direito de serem desrespeitosos. Certa vez, ouviu um médico dizer:

___ Lá vem o negro virgem.

Também eram constantes as piadas de mau gosto feitas durante as cirurgias. Talvez para descontrair a situação, mas quase todas com conotação sexual envolvendo afrodescendentes, o que irritava profundamente Marcos. E, sempre que isso acontecia, ao terminar a operação, Marcos ia até o quarto do plantão para não esmurrar a cara de quem havia dito a piadinha de mau gosto e pensava "Esses filhos da puta não me vencerão. Não deixarei que me vençam. Jamais conseguirão nada de mim."

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Às vezes, Maurício saía com alguns colegas do trabalho, mas sempre em grupo. Depois da decepção com Paulo recusava-se a se envolver novamente com qualquer homem. Claro que sentia vontade de fazer sexo, abraçar, beijar, conversar sem ter pudor algum, mas seu coração ainda estava "preto", fechado para qualquer tipo de envolvimento.

Seus dias e noites eram praticamente dentro do hospital e isso o deixava feliz, mesmo sendo incoerente trabalhar tanto, mas sentia-se feliz.

Em uma manhã, Erik Canoas, chefe de cirurgia, chamou-o a sua sala para conversar.

___ Bom dia, doutor Maurício. Começará sua especialização este ano. Cirurgia cardiovascular, não é?

___ Sim, senhor. – respondeu sorrindo, Maurício.

___ Bom, muito bom. E, para o senhor será melhor ainda, pois quem o orientará será o doutor Lauro Pimenta.

___ Doutor Lauro Pimenta? Sério?

___ Sim. – respondeu sério o doutor Erik. – Ele voltou dos Estados Unidos, onde estava trabalhando e dando aulas na maior e mais renomada universidade do país.

___ Meu Deus... isso é maravilhoso! – disse Maurício.

___ Também acho. Vou incluir você na equipe dele. Espero que aproveite e aprenda com o melhor.

___ Obrigado, doutor Erik. Aproveitarei cada momento.

___ Certo. Começará as rondas com ele amanhã às 6h30.

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