Ao sair do hospital às dez e trinta da noite, Marcos viu um SUV preto estacionado. Foi caminhando em direção ao ponto de táxi, quando a porta dianteira foi aberta, um homem mal encarado foi em sua direção e disse:
___ Doutor Marcos, o senhor Gustavo quer falar.
Marcos sentiu um calafrio subindo por sua espinha e acompanhou o homem carrancudo que apertava com força seu braço, praticamente puxando-o em direção ao carro. A porta traseira foi aberta e Marcos "gentilmente" empurrado para dentro.
Lá, no outro canto do banco traseiro, estava Gustavo Moreira, com quem Michael, irmão de Marcos, dizia trabalhar.
___ Boa noite, doutor. Tudo bem? – perguntou aquele homem cujos olhos frios e impiedosos fixavam-se no rosto assustado de Marcos.
___ Sim...
___ Ótimo. Tenho um trabalho para o senhor.
___ A-agora? – gaguejou Marcos.
O homem nem respondeu e o SUV arrancou rapidamente, levando-os a um apartamento chique em Pinheiros. Lá, em um dos quartos, havia outro homem todo ensanguentado, deitado em uma cama e gemendo de dor.
Marcos aproximou-se, observou-o examinando os hematomas e disse:
___ Ele precisa ir com urgência a um hospital!
___Não. Você vai trata-lo aqui.
___ Mas por quê?
E com um simples olhar de Gustavo o médico já sabia a resposta e tratou de trabalhar.
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O sol estava brilhando em São Paulo. Mas o calor não era sufocante, pelo contrário, deixava as pessoas mais leves e sorridentes. A chuva havia dado uma trégua e o dia cinzento se transformara em brilhante.
Luís Felipe havia combinado com Maurício de encontrá-lo no apartamento do médico e, quando foi recebido na porta ficou surpreendido com a alegria estampada no rosto do doutor.
___ Bom dia. Você está diferente, feliz.
___ Obrigado.
___ O que meu médico preferido gostaria de fazer hoje?
___ Não sei. Como você nasceu e vive até hoje nessa cidade, mostre-me os lugares que você mais gosta.
___ Certo. – respondeu sorridente Luís Felipe e ambos saíram.
Já no confortável sedan do arquiteto, ele disse:
___ Então, já que você quer, vamos bancar os turistas!
E eles partiram e Luís Felipe levou Maurício ao Mercado Municipal, ao Museu do Futebol, à Praça da Sé, onde o médico ficou admirado pela beleza da catedral e entorno, mas ao mesmo tempo triste com a quantidade de pedintes e crianças maltrapilhas ali presente. Almoçaram em um restaurante simples, self service, e o doutor ficou admirado pela simplicidade do arquiteto, visto que ele era um homem rico, de família de posses, mas que não se incomodava em frequentar lugares menos refinados. Depois, foram ao Museu do Ipiranga, mas apenas nos jardins, visto que ele estava sendo restaurado, mesmo assim, Maurício ficou abismado com a grandiosidade do lugar e, principalmente, pela aula dada por Luís Felipe, que detalhadamente descreveu toda a arquitetura e história do lugar.
Nesse passei, enquanto iam de um lugar ao outro, conversavam sobre tudo e em momento algum Luís Felipe foi inconveniente ou falou algo relacionado a sexo ou a algo do gênero. Ele estava sentindo prazer pela simples companhia de Maurício, o que não passou despercebido pelo médico.
Finalizando o dia, ele levou o doutor ao bairro da Liberdade e Maurício ficou encantado com a cultura japonesa ali presente e escancarada, praticamente um Japão fora do Japão.
Ao dirigirem-se ao carro de Luís Felipe, esse pegou na mão de Maurício e disse:
___ Já foi ao bairro do Morumbi? Mas não na parte com prédios, na outra, com casas?
___ Não, nunca.
___ Gostaria que fosse comigo. Há uma área com casas belíssimas, seguras e prontas para morar e constituir uma família. Minha casa é lá. Gostaria de conhecê-la?
___ Luís Felipe... nós mal nos conhecemos, então...
___ Maurício, desde o dia que você mandou em colocar o jaleco branco para iniciar a ronda, eu me apaixonei por você!
___ Luís Felipe...
___ Eu sempre acreditei em amor à primeira vista. Meu avô paterno viu minha avó passeando no parque com algumas amigas, seguiu-a, casaram-se quatro meses depois e ficaram juntos por cinquenta e cinco anos, até ela morrer. Já meu pai viu minha mãe atravessando uma rua e ele teve certeza de que ela era a mulher da vida dele. Estão casados há quarenta anos. Percebeu? Isso é algo de família! E eu quero ficar com você para o resto da minha vida...
Maurício ouviu tudo atentamente, com os olhos marejados. Era a hora da verdade. Da sua verdade. Ficou olhando para o médico ali, à sua frente, esperando uma resposta e pensou: "Ele é o primeiro homem por quem me sinto atraído desde que fui enxotado pelo meu ex. Luís Felipe é inteligente, íntegro, honesto, charmoso, educado, lindo e gosta de mim, aliás, me ama. É tudo o que outro homem e até uma mulher gostariam de encontrar em sua vida. O que há comigo? Estou preso a um fantasma?"
Infelizmente, no fundo do seu coração havia o sentimento enraizado de que Paulo ainda voltaria a procurá-lo, se desculparia e viveriam felizes para sempre, como foram na adolescência.
___ Luís Felipe, eu...
E nesse momento o celular de Maurício começou a tocar alto, ele atendeu e seu rosto ficou tenso.
___ Preciso ir ao hospital, um paciente meu está morrendo.
___ Tudo bem. Levo você lá.
E o clima foi quebrado.
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Quando Maurício entrou no quarto do senhor Moreira, a família do homem simpático estava toda ali. Maurício correu até a cama, mas não podia fazer mais nada, seu paciente já estava morto. Um sentimento de impotência se apoderou dele. Um enfermeiro se aproximou e disse baixinho:
___ Infarto. Fulminante. Não tivemos tempo de fazer nada.
___ Tudo bem.
E apenas com um aceno de cabeça para a família, Maurício saiu do quarto indo até a sala de descanso onde chorou.
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Médicos
RomanceO que três rapazes de diferentes cidades do país poderiam ter um comum? Apenas o mesmo sonho de serem médicos e utilizarem seus conhecimentos para ajudar os outros. Porém, nem sempre os desejos são tão fáceis de se tornarem realidade, pois a mentira...