6 - Trice é tagarela e gosta de Harry Potter

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Brooklyn, New York - USA

06:00, p.m.

Helena

A maioria das pessoas é muito desatenta.
Isso as torna incapazes de ver o mundo ao seu redor. Se elas prestassem mais atenção, olhassem ao redor, veriam o que eu vejo.

O que pessoas como eu vêem.
Não que eu seja anormal ou tenha um terceiro olho, somente tenho uma coisa que me faz ser diferente.
Algo que poucos possuem. Algo que não é humano.

Isso, juntamente com a minha sagacidade nata — segundo meu avô são características que herdei dele — me tornam uma boa observadora. E decifradora de pessoas.

Consigo saber o que alguém está pensando só de olhar para ela. Apenas usando suas expressões.
E como sou invisível na multidão, sendo apenas mais uma garota estranha de cabelos escuros, é fácil fazer isso.

Me sinto um pouco detetive às vezes, vigiando as pessoas desse jeito, mas essa sou eu.
É algo que me entretém, já que não tenho amigos.

Não sei porquê, só sei que nunca ninguém olhou pra mim.

Até o dia de hoje...

***

— Ei! — ouço uma voz meio irritada me chamar. — Você mesma, garota estranha!

Levanto meus olhos da leitura para ver quem interrompeu meu encontro com Harry Potter em o Prisioneiro de Azkaban ( meu livro favorito da série) e encontro uma garota alta, com cabelos compridos no tom loiro escuro me encarando com olhos azuis assustadores.

— Sim? — erguo uma sobrancelha para ela.

Quem em sã consciência interrompe a leitura de alguém?

— Eu vi você olhando pra mim ontem daquele jeito, e anotando num caderno.

— E? — baixo minha cabeça para voltar a ler, mas a garota continua parada no mesmo lugar.

Começa a bater o pé direito no chão.

— O que você estava escrevendo?

— E você tem o que com isso? — me levanto, ficando da altura dela. — O que te faz pensar que eu escrevia sobre você?

— Ora, eu... — parece ficar sem jeito. — Eu não sei! Você me olhava de um jeito.

— Tanto faz. — dou de ombros, me sentando. — Não escrevi nada sobre você.

— Sério? — ela se senta ao meu lado. — Me desculpe então.

Balanço a cabeça como quem diz não importa.
Volto a me concentrar na leitura. Severo Snape acaba de apanhar Harry com o velho pergaminho quando a garota abre novamente a boca:

— Estou meio paranóica, desculpe mesmo. — a olho, ela parece estar sendo sincera. — Ei, esse é o Prisioneiro de Askaban?

Olho para o livro em meu colo.

— Eu adoro esse livro! — começa a tagarelar. — Principalmente a parte do Snape com o mapa.

Concordo com a cabeça.

— Eu ri tanto quando li, que tive que voltar e ler de novo. — ela sorri.

— É engraçado mesmo. — sorrio de lado, sentindo algo estranho.

— Pois é! O que você achou da história do Lupin? Eu particularmente achei adorável o fato dos amigos dele terem se tornado animagos para poder...

Só consigo pensar na estranheza daquela conversa enquanto a garota segue falando sobre bruxos, lobisomens e feitiços.

— Mana! — uma voz masculina interrompe a falação de minha interlocutora. — Vamos logo, o Mark quer discutir aquela teoria do duende bagunceiro.

O garoto de cabelos loiro-escuro penteado para frente se aproxima, sorrindo.

— Oi. — fala, se dirigindo para mim. — Helena, certo?

Balanço a cabeça, concordando.

— Ei, como você sabe o nome dela? — a garota questiona o irmão.

— E como eu não saberia se estudamos juntos desde o ano retrazado? — ele arqueia uma sobrancelha.

Minha colega de banco parece paralisada numa expressão de vergonha.

— Eu não sou muito observadora. — ela se desculpa, olhando de relance para mim. Suas bochechas estão vermelhas. — Me chamo...

— Beatrice, eu sei. E este é seu irmão gêmeo Maurice. Encrenca Evans. — sorriso para os dois que estão meio boquiabertos. — Ouvi falar de vocês.

Beatrice sorri e pisca para o irmão que retribui.

— Onde você mora Helena? — pergunta ela.

— No Brooklyn, pego o metrô a duas quadras.

— Ótimo, fica no nosso caminho. Você pode vir com a gente se quiser.

Maurice dá de ombros, concordando.

— Vem, vamos logo. — me puxa pelo braço e saímos do colégio.

***

A estranha tagarelice de Trice, o sarcasmo de seu irmão e as estranhas teorias de Mark Carytton — encontramos com ele na saída, e o garoto já foi falando de um duende mutante que invadiu a casa dele para roubar seu notebook — eram um contraste notável com a minha mudez.

Para o nosso grupo ficar mais estranho só faltava incluir nele a garota treme-treme e o garoto hematoma.
Não é nada pessoal, mas a tal Lisa parecia sofrer uma crise de Parkinsonismo. O tal Edgar volta e meia aparecia com um hematoma no corpo, por isso deram esse apelido pra ele.

Mas apesar daquele ser um grupo estranho, eu me sentia bem estando ali.
Não me sentia deslocada como sempre acontece.
Era como se eles fossem como eu.

***

Abrus precatorius

Planta de climas trópicos e de baixas altitudes que habita junto aos troncos das árvores, e tem as suas principais populações na Índia, Ilhas Filipinas,Tailândia, e África tropical. O veneno que a ervilha do rosário contém, o abrin, é muito parecido com a ricina de outras plantas tóxicas. No entanto, a substância da ervilha do rosário é 75 vezes mais forte, portanto a dose letal é muito menor. São necessários apenas 3 microgramas de abrin para matar um adulto.

— Você já está na idade minha filha. — a voz de meu avô me tira da leitura. — Já tem dezesseis anos.

O velho parece pensativo hoje, um pouco mais que nos outros dias.

— Eu sei. — resmungo.

— Como foi a escola hoje?

— Bem. Até conversei com alguns colegas de turma...

Meu avô me olha desconfiado de sua poltrona no centro da sala.

— Qual o nome deles?

— Beatrice e Maurice Evans e Mark Carytton. — falo, voltando para minha leitura. — Eles até que são legais...

O silêncio toma conta da sala, e quando penso que me avô pegou no sono ele dá um pulo da poltrona e grita:

—  Você disse Evans e Carytton?

Balanço a cabeça.

— Por todos os cérberos do inferno! — grita novamente. — Saímos da Grécia para acabar mergulhados nisso? Bah!

Erguo meus olhos para meu velho avô e penso em qual será a notícia ruim dessa vez.

A PesteOnde histórias criam vida. Descubra agora