❝ (des)equilibrar ❞

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Eu penso em abundância sobre as coisas que me julgo incapaz de fazer. Acordo de manhã e não sinto o despertar, meus pés tocam o chão e eu não consigo me levantar. Em movimentos mecânicos, escovo os dentes, engulo o pão, seguro o copo de café. Escolho a roupa mais confortável que encontro adiante. "Preciso estudar", penso. "Preciso trabalhar", repenso.

Com uma bolsa pesada sobre o ombro dolorido, sigo em passos apressados pela rua. Decorei todas as pedrinhas pelo caminho, os buracos no asfalto e as cores dos sapatos que as pessoas costumam usar de manhã. Minha cabeça não consegue ficar ereta e eu caminho como quem está fugindo. "Preciso ser pontual", penso. "Preciso me organizar", repenso.

Sentada na sala de aula, presto atenção, fulmino os movimentos dos professores e tento anotar. Meu cérebro não me obedece, sempre que penso ter gravado ou aprendido algo, lá vem ele me dizer o contrário. Em provas, fico nervosa, sinto dores no estômago antes de qualquer apresentação e não consigo ver motivos para continuar seguindo um sistema. "Preciso me formar", penso. "Preciso ter uma profissão", repenso.

Em casa, de volta, minha derrota. Mesmo durante o dia, os cômodos parecem escuros. As horas não possuem as quantidades adequadas de minutos e eu desisto de tentar manter tudo arrumado. Deixe as meias no chão, a louça na pia, a comida do gato fora da vasilha e a poeira nos livros. Não consigo pegar em uma vassoura agora, mas gostaria de pegar minha vida de volta. "Preciso terminar isso", penso. "Preciso entregar aquilo", repenso.

A angústia se transforma em inércia, os gritos estão todos dentro da minha cabeça. Abraço e beijo a minha irmã, tento entender e conversar com a minha mãe. Há ruídos em nossa comunicação. Mesmo sendo o melhor que eu posso ser, ainda não é o melhor que esperam que eu seja. Minha garganta se fecha e meus olhos marejam. Vislumbro um casamento, filhos, um animal de estimação e um sorriso. "Preciso ficar quieta", penso. "Preciso deixar isso para lá", repenso.

Não moro embaixo de nenhuma ponte, tenho um teto fixo para onde retornar. Não tenho que conviver com a dor da fome, tenho comida para me alimentar. Não preciso me preocupar com o frio nos ossos, tenho roupas de inverno e cobertores para me esquentar. Não almejo carros de luxo ou dinheiro que não saberei usar, tenho plena consciência de que vivo com o necessário, apenas o necessário para nada me faltar. "Preciso rir", penso. "Preciso enxergar", repenso.

Sinto que não sinto. Talvez, eu esteja exagerando em tentar expressar o que me aflige. Nem as coisas que gosto de fazer, faço. Nem as coisas que deveria fazer, faço. Entretanto, uma mensagem no celular chama a minha atenção, precisam de mim. Um amigo, uma amiga, alguém. Então, sorrio, escrevo, apoio, motivo, aconselho, transbordo. Faço, mas não para mim. Choro, não vejo meu reflexo no espelho. "Eu não preciso de nada", penso. "Basta a felicidade", repenso.

O ruim é sabercompreender e não conseguir fazer. Sei que devo me ajudar, me enxergar, me descobrir, me apoiar e me amar antes de pensar em qualquer outra pessoa. Eu devo ser a número 1 em minha própria vida. Sei, compreendo, mas não faço. Afinal, não sinto meus pés tocarem o chão, não olho para a frente enquanto caminho e não vejo o meu reflexo no espelho. Não posso amar ou cuidar de alguém que, simplesmente, não existe, posso? "Devo, a mim mesma, a chance de recomeçar", penso. "Posso, não preciso, me libertar", decido.

PÉTALAS SOLTASOnde histórias criam vida. Descubra agora