❝ TANGER ❞

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Lista da canção rasgada:

1. Quantas notas cabem em mim?

2. Sou uma melodia completa ou sou apenas um rabisco?

3. Um dia, sem mais delongas, encontrarei meu compasso?

4. Alguém, em algum momento, será corajoso o bastante para me tocar?

5. Serei música singular e envolvente ou serei sons comuns e incoerentes?

6. Tocarei minhas canções com cada partícula da minha alma ou apenas as deixarei ressoar sem emoções?

7. Encontrarei a essência da inspiração ou usarei cordas de nylon para sempre?

8. Devo listar você como o principal motivo da minha desistência em compor a minha canção ou devo, única e exclusivamente, culpar-me pelo fracasso?

9. Preciso mesmo continuar enumerando as minhas inseguranças em forma de bloqueios criativos?

(9.5) NOTA: devo parar de escrever isso, devo parar com isso.

10. Jogar a canção rasgada no lixo ou deixá-la em minha caixa de recordações?

(10.5) LEMBRETE: jogar fora essa caixa de decepções.


Um grunhido desgostoso escapou do fundo da minha garganta e, sem perceber, comecei a caminhar pelo quarto, de um lado para o outro, de lá para cá, de cá para lá.

Não quero mais remoer as letras perdidas, não quero mais pensar no compositor e nas suas escolhas egoístas.

Uma vez mais, prometi a mim mesma de que não cometeria os mesmos erros, de que não me deixaria ludibriar pelas habilidades musicais de outras pessoas, de que não me esqueceria de tocar a minha música enquanto as demais estivessem soando ao meu redor...

Ah, mas nunca acontece como eu planejo.

Quando me dei conta, lá estava eu, incoerente, admirando a forma como você tocava o seu violão. Minha música cessou, só para dar lugar à sua. Era linda a maneira como você sentia cada nota, as suas notas. Seus dedos eram tão hábeis e elegantes, sua expressão ficava distante e indiferente, quase como se você fosse egocêntrico, quase como se a sua existência fosse a única dádiva que lhe valia a pena. E era (é e continuará sendo).

Ah, como eu queria ter coragem de confiar mais nos meus instintos...

Eles me mandaram fugir de você. Mas eu demorei para perceber de que todos aqueles sinais, na verdade, eram alertas. Estava tentando, mas era muito difícil acompanhar o seu ritmo. Estava (estou) desafinada. Meus tons estavam (estão) arranhando a minha pele e, seus dedos, minhas feridas. Até parecia que você conhecia (queria conhecer) o mais profundo de mim. Até parecia que eu podia (devia) produzir melodias para as suas canções. Matizei-me em notas agudas e, você, perdeu-se em suas composições sem fim.

Ah, você foi o artista mais pútrido que já admirei.

Depois de longos anos sem me permitir gostar de alguém, arrisquei-me a me aproximar de você, sonhadora e emocionalmente. Todavia, não pense que me entreguei, não suponha que eu tenha me cegado pelas suas letras rabiscadas no papel amarelado do meu coração. Você, compositor fajuto de melodias de amor, quebrou todas as cordas reconstruídas dentro do meu peito, deu nós impiedosos em minhas fantasias e, por se julgar maduro demais, superior demais, acabou enforcando-se em seu maior erro: ser imaturo e irresponsável ao tanger os instrumentos dos outros.

Ah, eu sinto tanto arrependimento por tê-lo conhecido.

Para mim, você pode roubar todas as partituras do mundo e receber a glória injusta por cada uma delas, mas, nem que você renasça, será capaz de ser um compositor autêntico, um merecedor de qualquer adoração ou amor.

Tocar vidas é um dom, destruí-las é uma escolha.

Você já se decidiu pelo errado há muito tempo.

Ah, eu não quero mais escutar essa melodia.

Então, com os batimentos cardíacos virando a marcha fúnebre das minhas questões amorosas, acendi um fósforo e o joguei na lixeira, na qual, a canção rasgada da minha vida, das minhas escolhas, desfazia-se em cinzas. Ao mesmo tempo, meu corpo também se ardia em chamas e, com os olhos embaçados pelas lágrimas, consegui vislumbrar a compositora, dentro de mim, fechando a porta da inspiração e rejeitando todas as novas canções que se seguiriam, que fariam filas por nós.




Componha uma canção própria, pois, no fim, somente ela lhe salvará

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Componha uma canção própria, pois, no fim, somente ela lhe salvará.

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