❝ superar ❞

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[ conto ]

Animadversão*


Meu dia estava péssimo e, quase como uma provocação do destino insatisfeito com meus poucos protestos, recebi um convite que poderia fazer tudo piorar. Bastou que eu me jogasse sobre os lençóis cheirosos da minha cama para sentir o celular estremecer sobre a minha barriga. Era o tal do convite tenebroso.

— Eu não vou, Jenny — já fui logo cuspindo a minha resposta, pois não aguentava mais ouvi-la me persuadir sobre o trabalho arranjado —, pode desistir dessa ideia maluca.

Escutei o seu suspiro cansado do outro lado da linha e foquei os meus olhos desinteressados no teto do meu quarto.

— Nós estaremos sentados na mesma mesa que vocês, Elena. — Seu argumento nem fez cócegas em minha decisão. — É para o bem da sua carreira, nós precisamos disso, você sabe. Seung Yoon prometeu não fazer nada, além, é claro, de conversar com você e seguir o roteiro.

Estendi minha mão esquerda na frente do rosto e admirei minhas unhas pintadas de roxo, coincidentemente, a cor favorita dele. Eu jamais imaginei que voltaria a vê-lo de modo tão repentino, mesmo considerando a minha profissão. Nunca acreditei que um fantasma pudesse aparecer na minha frente, por isso, estranhei aquela chance em um milhão.

De todas as pessoas que poderiam ser convidadas para a gravação daquele comercial, tinha de ser justo ele, o modelo asiático mais cafajeste de todos os tempos. Seu talento diante das câmeras estendia-se para além delas e, há seis anos, eu me vi capturada por seu charme e elegância, encantada por aqueles olhos puxados hipnotizantes que, para o meu azar, não paravam de sorrir para mim enquanto posávamos para uma sessão de fotos em Tóquio. Eu mal podia cogitar a ideia de que a minha manager* era, também, a sua melhor amiga.

— Não podem convidar outra pessoa? Deve ter mais alguém disponível na agência que saiba falar em coreano e...

— Você sabe que não tem — ela me interrompeu. — Você é a melhor opção para o papel. Então, nós vamos sair hoje como um grupo de amigos normais, Elena, e você — sua voz saiu incisiva — vai vir conosco para amenizar a tensão entre vocês dois.

— Jenny... — Comecei a protestar, decidida a não ceder, porém, a campainha tocou.

Tão logo girei a maçaneta, eu me arrependi.

Jenny, minha amiga, minha manager, estava invadindo o meu apartamento com mais duas pessoas em seu encalço, Dylan e Mary, o maquiador e a estilista, respectivamente.

— Muito bem — Jenny sacudiu o dedo em minha direção, avançando perigosamente até mim —, se você não quer ir nesse jantar por bem, vai pela consciência pesada mesmo. Eu cuido da sua carreira há anos, Elena, trabalhei muito duro para conseguir os melhores jobs para você e não vou permitir que você perca a chance da sua vida por causa de um romance passageiro de umas semanas.

— Seja superior, Lena. — Dylan soprou do meu lado esquerdo.

— Você não aceitar o trabalho só vai mostrar a ele que você ainda se importa. — Mary cantarolou do meu lado direito.

— Kim Seung Yoon é o dongsaeng* da nação, pelo amor de Deus! Em outras palavras, o queridinho dos holofotes! Sua chance de ouro, garota! Basta fuçar qualquer meio de comunicação em massa para constatar o óbvio! Você já recusou muitas oportunidades e o diretor de produção não vai ficar fazendo vista grossa para sempre, Elena. Além de já termos acobertado suas atitudes suspeitas nos tabloides mais vezes do que somos capazes de contar em todos os dedos presentes aqui nesse condomínio! — Bufou consternada, fazendo a culpa borbulhar em meu estômago. — Veja isto — ela pegou seu celular e expôs uma mensagem de texto do produtor —, está escrito claramente aqui, essa é a sua última chance de permanecer na agência... Então, apenas mostre um pouco de gratidão e seja profissional, Lena, faça isso pela sua carreira.

PÉTALAS SOLTASOnde histórias criam vida. Descubra agora