Flashback - Saether

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Thiago Saether

Nosso jantar havia sido terrível. Nem mesmo na minha formatura meu pai deixou que eu fizesse o que bem entendia. Passei longas horas acenando e sorrido para acionistas que nunca vou novamente olhar nos olhos. Ele diz serem pessoas importantes, eu preciso me fazer ver. Grande perda de tempo...

Recebo parabenizações de vários, cada um com sobrenomes mais complicados do que outros. Espero realmente não precisar repeti-los. Não estou nem um pouco satisfeito de estar me formando em algo que jamais quis. Certamente conseguiria administrar muito melhor se tivesse feito a faculdade que eu queria e não essa. 

De qualquer forma, assim foi. Vi os olhos soberbos de meu pai ao dizer que todos os seus filhos se tornaram grandes médicos psiquiatras, mesmo que eu ainda não tenha feito a especialização, ele não teme em encher a boca para falar.

Seu filho mais novo, o queridinho bastardo tinha tanto orgulho em dizer que estava cursando medicina que me causava náuseas. Já escutei ele dizendo para muitas meninas sobre seu poder social que não existe. Ele consegue ir a mais festas do que eu jamais imaginei ter e mesmo assim sair ileso dos sermões do meu pai e meus irmãos. Por que com ele tem que ser sempre diferente?

Não me importa nada disso, apenas quero que esse jantar eterno termine logo e eu possa voltar para a minha casa. Ver todos esses acionistas decadentes puxando o saco do meu pai faz meu estomago revirar, ainda mais percebendo que Arthur, o bastardo, parece estar adorando ser mais paparicado do que eu mesmo. Eu sou o motivo da reunião, não ele.

– Então você escolheu trabalhar com os loucos? – Um desses milhões de idosos com sobrenome difícil me pergunta e ensaio um sorriso. Preciso me mostrar mais social. Preciso me fazer convencer para quem vai me render dinheiro.

– Oras, todos nós somos loucos na essência. – Digo a frase em alto tom para que a atenção de mais alguns viesse até mim.

– Belas palavras, Saether... – Ouço um deles falar. Sorrio brevemente com o canto da boca, mostrando-me simpático. Eu aprendi a mostrar o necessário para sobreviver nessa terra de gigantes.

Pela primeira vez fui chamado apenas de Saether. Apenas por um sobrenome maldito que busquei a vida inteira. É assim que deve ser. Eu, assim como meu pai e meus irmãos, chamados de Saether. Quando me dou conta estou conversando sobre hospícios por um dos senhores de posses que estava ao meu lado, talvez meu lugar seja realmente esse. Pela primeira vez vi o olhar de aprovação do meu pai. É isso o que ele realmente quer que eu seja. 

Sorte minha que o jantar havia sido em nossa casa e eu podia me retirar por breves momentos com a desculpa que precisar ir ao banheiro para lavar o rosto e conseguir seguir com minha falsa simpatia para que todos gostassem do que eu me tornei. Em um dos momentos, vi meu pai se afastar ao lado de Arthur para uma das salas de reuniões. Sempre que meu pai faz isso, algo o desagradou. Ele já me levou tantas e tantas vezes para conversar na sala de reuniões que sequer me lembro de todas elas.

– Socorro! –  A voz de Arthur faz todos levantarem. Aconteceu alguma coisa. Corro até a sala de reuniões e dou de cara com Theo e Raí tentando reanimar meu pai no chão. Arthur estava encostado na mesa, aparentemente pretrificado. Tento ajudar a reanima-lo mas recebo um empurrão de Theo que me faz recuar. Eles não querem ajuda alguma. Apenas fico observando de longe. Observando eles falharem.

Não posso dizer que senti tristeza, mas sim alivio. Olho para Arthur, que simulava um choro tão mal quanto jamais vi. Sento-me ao lado do corpo de meu pai quando meus olhos passam sobre sua mesa. Um copo com meia dose de whysk me chama atenção. Um precipitado esbranquiçado ao fundo. A ficha cai quando volto a olhar para o bastardo.

Fico de pé e pego o verme pelo braço, puxando-o até a cozinha. Expulso os empregados e jogo Arthur contra a parede, com meu braço apertando seu pescoço.

– Você fez isso, seu imundo. Você matou ele. –  Ele nega com um sorriso no rosto. Isso é praticamente assinar a culpa.

– Quem o matou foi o veneno, não eu. –  O sorriso em seu rosto volta a aparecer.

Não sei muito bem que tipo de sentimento ter. Não sei o que deveria pensar ou como agir diante do assassino do meu próprio pai. Meu pai sim, mas nunca fomos próximos. Ele nunca esteve presente por tempo o suficiente para que eu sentisse qualquer coisa por ele. Solto Arthur depois de acertar sua sobrancelha com um murro, abrindo-a.

–  Deu para ver o veneno no Whysk. Se for fazer alguma coisa, faça direito.

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