Sonhos do passado

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Thiago Saether

Corri para dentro de casa o mais rápido que pude. Estava radiante ao ver meu nome em primeiro lugar naquela lista de aprovados. Eu sempre gostei de administrar pequenas empresas que criei durante o ensino médio e agora seria especial, realmente diferente. Cursar o que eu sempre quis é algo enorme. Meu pai disse que deixaria que eu escolhesse e foi assim que aconteceu. Escolhi e passei. Passei sozinho, por mérito próprio. Sorria correndo para dentro de casa quando Theo me parou.

Meu irmão mais velho sempre foi sério demais. Não gostava de brincadeiras e por isso mesmo quase não falava com ele.  Tinha medo que, caso falasse, ganharia uma resposta atravessada ou um tapa na nuca.

– Que papel é esse, Thiago? – Já estava passando sem ser notado, mas ele me percebe antes de tudo.

– Passei na faculdade de administração. – Ele ri, deixando-me sem graça.

– Você vai administrar os hospitais fazendo esse cursinho? Nunca vão te respeitar. – Fecho a cara. Ele não pode falar assim do curso que eu escolhi. Eu escolhi sim. Não quero que tentem mudar minha ideia.

– Eu poderia administrar até mesmo sem faculdade alguma, diferente de você. – Respondo a altura. Detesto que me reduzam a alguma coisa. Detesto que falem comigo dessa forma. Eu poderia fazer muito melhor do que ele se meu pai me colocasse agora mesmo na direção de qualquer hospital.

Ele ri e puxa o papel de minhas mãos. Não posso ficar sem isso! Tento tirar de suas mãos irritado. Tenho medo do que ele possa fazer. Não poderia entrar com a minha matrícula sem esse papel.

Consigo segurar o papel com muita dificuldade. Theo é bem mais alto do que eu. Detesto ser o mais baixo dentre os meus verdadeiros irmãos.

– Solta, Theo! Eu não estou de brincadeira. Isso é sério. – Não quero falar que preciso desse papel. Não quero dizer que sem ele não posso entrar ou pareceria desesperado demais.

Ele puxa o papel de minhas mãos e acaba rasgando bem no meio. Ele sorri. Parece animado ao me ver gritando para que soltasse o outro pedaço. Talvez dê para colar! Posso tentar passar uma fita ou...

Ele termina de rasgar. Rasga em pedacinhos metade do papel que me colocaria dentro da faculdade que eu queria tanto. Meus olhos se enchem de lagrimas, mas não posso chorar. Não posso me mostrar fraco para ele, é justamente o que ele quer.

– Não se preocupe, irmãozinho. A carta para medicina já está com o papai. – Ele sorri. – Bem-vindo aos Saether.

Tenho vontade de voar no pescoço dele, de faze-lo engolir aquele maldito papel. Tenho vontade de acertá-lo com meu punho mais vezes do que seu rosto aguentaria. Mas nada disso consigo fazer, só uma lagrima maldita desce cruzando meu rosto quente de tanta raiva.

– Eu só queria escolher... – Digo baixo, triste, tentando impedir que mais lagrimas caíssem. Eu já disse que não posso chorar. Amasso metade do papel que sobrou em minhas mãos e enfio na boca dele. – Engole essa merda, Theo!

Sinto apenas minha boca ficar quente e se encher de um gosto ruim de sangue. Ele me acertou a boca e fez com que eu caísse no chão de costas. Levo a mão até a boca irado, quase em desespero por não poder fazer nada. Ele tem quase dez anos a mais do que eu, é infinitamente mais forte do que eu com míseros 16.

– Nunca mais fale palavrão. Que isso fique na sua cabeça. Você tem um nome a zelar, Thiago. Não o suje com esse tipo de palavras.

Nem mesmo as palavras eu posso escolher?! Mostro o dedo para ele. Não quero fazer parte disso. Não quero que escolham minhas palavras por mim. Não quero ser só mais um Saether. Não quero!!

Ele segura minha mão com força e vira meu dedo para o lado. A dor é lancinante. Não grito, engulo a dor. É o que ele quer. Ele quer ver a minha fraqueza e isso ele não vai conseguir. Fico de pé em sua frente, olhando seu rosto de igual para igual. São alguns centímetros que pareciam ficar menores.

– Nunca mais toque em mim de novo. – Acerto entre as suas pernas com força e saio correndo para meu quarto. Não quero ver ninguém. Não quero ver meu pai, o Raí ou aquele bastardinho. Só ficar sozinho... Meu dedo com certeza está quebrado e, acredito que um pedaço do meu dente tenha trincado com o murro que levei.

O meu quarto sempre foi meu ponto de fuga. Tranquei a porta e fui até o deck, onde sente-me encostado na parede para chorar. Meu sonho tinha se transformado no sonho deles, não posso escolher sequer as minhas próprias palavras... Tenho um nome a zelar, afinal.

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