Repentino

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— Calma, Peter. Você não pode mover as torres na diagonal.

— Eu sei.

Ele me respondeu, curto e grosso, sem olhar para mim, e movimentou a peça. Nós estávamos jogando xadrez. Ele tinha me pedido para ensiná-lo, mas aparentemente, ele não precisava de mim. Eu já havia observado que Peter era inteligente, por trás da casca de antipático e atlético demais para se importar com isso, mas ele me surpreendia bastante, às vezes. Bem, o gosto dele por HQs já devia dar indícios de que talvez meu "irmão" adotivo - ele odiava que eu falasse daquela forma - não correspondesse totalmente aos estereótipos.

Aquela era uma das raríssimas vezes em que estávamos juntos, fazendo alguma coisa amistosa. Peter me odiara desde o início, mas àquela altura, a situação parecia suportável para ele. E eu, menos ruim de se conviver. Acho que ele estava começando a gostar de mim.

— Tá surpreso por que eu tô chutando a sua bunda no xadrez, é? — Ele levantou o olhar e me encarou.

— Um pouco — Admiti. 

— Eu sou um adolescente alto, forte, bonito e comunicativo. Mas antes de ficar bonito, eu era uma criança magrela, de sobrancelhas clarinhas e que não conseguia falar direito. Já imaginou a situação de um moleque assim na escola, né?

Eu fiquei em silêncio, esperando que ele falasse mais.

— Nunca tive muitos amigos porque eu não era a criança mais interessante do mundo. E os quadrinhos eram minha companhia favorita. E os estudos, os hobbies de lógica. Principalmente depois que a Mary nasceu e ficou com toda a atenção pra ela. De todo mundo. Ela foi um bebê fofo, mas depois ficou uma criança bem esquisitinha antes de virar uma "padrãozinha"  — Peter riu e moveu mais uma peça — Bom, a puberdade me atingiu, meu cabelo escureceu, acho que por causa do meu pai. Eu fiquei bonito e inteligente. E ai... eu tinha a chance da minha vida. De aproveitar a escola, garotas, popularidade e tudo que eu não tive por um bom tempo. Eu não ia deixar ninguém mais me tratar como eu era tratado quando criança, Caesar.

Eu assenti com a cabeça.

— Eu sempre tive uma coordenação motora legal apesar de ter sido uma criança magra, então foi tipo, perfeito, quando eu ganhei altura e massa muscular. Basquete, futebol, eu podia fazer qualquer coisa, e fazer muito bem. Eu era incrível. Quer dizer, eu ainda sou. — Pete deu um sorriso convencido — Nos times que fiz parte, fiz amizade com os caras, populares, e tudo mais. E você sabe...

— Eles são idiotas.

— É. Mas têm tudo porque são confiantes. Sabem do que são capazes. Mas eu sou melhor do que eles. Porque eu sou inteligente pra caramba. Eu só escondo.

— Por que você oculta isso das pessoas? Te olhando à primeira vista... Você não parece muito diferente deles.

— Porque, Caesar... — Ele olhou para o tabuleiro e pôs a mão sobre uma peça, voltando a me encarar em seguida — Se ninguém souber que eu sou inteligente, eu posso manipular as pessoas e ninguém vai nem notar. Eu consigo garotas, eu consigo favores. Os professores me adoram e me ajudam com tudo que eu preciso. E tudo isso enquanto tenho as melhores notas da turma e garanto minha passagem pra uma boa faculdade. Ah, xeque-mate.

— Já?

Ele deu um meio sorriso.

— Se você contar essas coisas pra alguém, eu te entrego pro governo, me ouviu?

— Perfeitamente.

Peter se levantou e foi até a geladeira para pegar uma jarra de água.

— E a Serena? Ainda à fim de você?

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