Alma

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Fazia algum tempo desde o meu último primeiro encontro - eu não era o cara mais visado do meu planeta no início da minha adolescência. As tradições dos primeiros encontros em Nawos estavam mais para reuniões espirituais. Nos reuníamos com nossas famílias em algum lugar silencioso e afastado para entrar em contato com nossos interiores e nos certificarmos de que éramos as pessoas. Depois desse processo é que os encontros se pareciam mais com os padrões humanos, na medida do possível; só que sem cinema ou selfies.

Marie e Adele fizeram uma cara de desgosto terrivelmente engraçada quando me ouviram contar sobre isso.

Bem, essa era uma tradição antiga. As pessoas mais jovens não viam necessidade em segui-la e "queimavam" as etapas. Foi o que aconteceu comigo e Talith. Um erro, já que eu, claramente, estava solteiro naquele momento. Talvez a tradição fosse mesmo importante. Mas quando eu estava em Nawos, estava tão desiludido que achava que nem isso me garantiria que ia encontrar minha alma. Talvez algumas pessoas nascessem pra seguir a carreira solo mesmo.

Tudo bem, eu e Serena nos correspondíamos, ao que parecia. Mas eu não sabia como chegar nela e dizer "oi, nós queimamos umas etapas nos beijando, então, precisamos nos reunir à luz de velas e muita meditação para nos certificar de que devemos mesmo nos relacionar". Pelo menos não sem que ela me ache louco e que fuja. Talvez humanos nem pudessem fazer isso, quer dizer, o quanto das próprias almas eles conheciam? Eram tão errantes.

Tudo bem, não tinha a menor possibilidade daquilo acontecer. Eu teria que confiar nos meus instintos, e nos filmes e séries também. Vesti uma jaqueta jeans por cima da camiseta branca que usava naquele momento e, por precaução, apliquei só mais uma dose de perfume.

- Você vai acabar com a camada de ozônio desse jeito - Ouvi a voz de Mary Jane. Notei que ela subia as escadas do meu quarto-sótão. - Foi pra isso que te mandaram pra Terra?

Eu ri. Ela também riu e caminhou até parar diante de mim. Sua expressão foi de aprovação, o que me deixou satisfeito.

- Está lindo. - Mary Jane me deu tapinhas no rosto - E essa barbinha, você cultivou ela pra ocasião especial?

- Ela cresce rápido - Respondi, sem jeito - Acho que puxei isso do meu pai. Do meu pai biológico.

- Também é assim com Colin, seu pai adotivo - Marie disse enquanto ajeitava minha jaqueta. - Tá nervoso?

Fiz que sim com a cabeça.

- Relaxa. Vai se sair bem. Acho que foi uma boa ideia te fazer assistir A Última Canção ontem.

- Esse filme é muito triste, Mary. Não faz mais isso.

- Bobinho. - Ela riu - Ah, não esquece dos olhos.

Levei algum tempo para entender o que Marie tinha dito, até me lembrar de que eu não estava com meus "olhos humanos". Ela segurou minha mão enquanto eu fechava os olhos, e eu pude ouvi-la soltar um murmúrio de protesto quando eu apertei sua mão, uma resposta automática à dor que estava sentindo. Eu já havia sentido piores. Mas aquele processo doía. Quando meus olhos pararam de pulsar, eu os abri, devagar, e dei de cara com uma ruiva sorridente à minha frente.

- Às vezes eu me pergunto por que começamos a dizer que você é adotado, se as pessoas nos acham parecidos por causa dos nossos olhos.

- Os seus são maiores. E mais bonitos. E não tão azuis quanto os meus olhos humanos.

- Poderíamos ser gêmeos, sabia?

Pior que poderíamos mesmo.

- Não dá mais tempo de mudar nosso álibi - Eu sorri. - Bem, eu acho que vou indo.

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