Como você sabe?

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Você não vai fazer isso, Sarah! Eu sou a única chance de o Duck Young ficar bem!

Tem certeza? Ele está em um hospital com os melhores médicos do país. Eu acho que você é bem dispensável.

Eu tenho total certeza, mas não posso te dizer o por quê. Por favor entenda, Sarah, você me acharia louca! E além disso, Duck Young pediu que eu não contasse.

— Duck Young não está aqui para decidir. — disse pausadamente. — Se é realmente a única forma de salvá-lo, como você diz, eu preciso saber de tudo se quiser que eu não diga a polícia. E quanto a te achar louca, só vou decidir quando você contar.

— De qualquer forma, no fim você não vai se lembrar disso tudo... — suspirei. — Você precisa confiar em mim! E ter a mente aberta. 

— Vamos logo com isso, Júlia! Como disse, só vou decidir depois de ouvir.

— Esse mundo não é real. — Comecei dizendo a verdade de uma vez. Sarah franziu o cenho. — E eu não sou daqui.

— Como assim? Você é extraterrestre por acaso? — bufou uma risada, enquanto cruzava os braços.

 — Não! — respondi levemente exaltada. Teria rido em outras circunstâncias. — Eu sou do mundo real. Esse mundo, onde estamos agora, é um mundo fictício, que existe dentro de um livro que eu escrevi. Por isso meu nome não existe em lugar nenhum.

Ela me encarou incrédula e então caiu na gargalhada.

— Realmente, é loucura!

— Por favor, confia em mim! É a verdade. Duck Young apareceu na minha casa pedindo ajuda, não sabia como foi parar lá e viemos para cá, por acidente, ainda sem saber como. Eu criei vocês e tudo aqui com base no que existe no meu mundo, portanto posso desfazer qualquer coisa que acontecer aqui. Eu posso salvá-lo disso, mas preciso acessar a plataforma onde publico a história e precisa ser no mundo real.

— Como quer que eu acredite nisso? 

— Eu não sei. — respondi sinceramente. A única verdade possível. — Acho que não acredito totalmente até hoje, mas pode tentar me perguntar qualquer coisa.

Ela ficou alguns minutos em silêncio, andando de um lado para o outro. Já estava aflita e prestes a dizer que a qualquer momento ela faria um buraco no chão, mas Sarah começou a dizer antes que eu pudesse me manifestar.

— Onde meus pais se conheceram?

Eu a conhecia bem o suficiente para reconhecer o motivo da escolha daquela pergunta. Sorri.

— Não teria como Duck Young ter te contado porque...

— Porque ele sempre se confunde. — interrompi. — Eles se conheceram em um restaurante. Sua mãe derramou chá gelado no seu pai, porque o garçom se desequilibrou e esbarrou nela. Duck Young sempre diz que eles se conheceram na empresa, quando o seu avô, que é o dono, enviou sua mãe como representante. Seu pai era o diretor. Mas esse segundo encontro foi só depois.

— Como você sabe? — Deixei Sarah chocada, coisa que nunca achei que ninguém fosse capaz de fazer.

— Eu escrevi isso.

— Quer dizer então que... que tudo, até hoje, foi por sua culpa? — Sarah franziu a sobrancelha. — Sempre que chorei ou que sorri. Tudo que eu tenho ou já tive. Foi tudo por que você quis? Você... você quer dizer que eu não tive poder de escolha em nada na minha vida?

Sua voz estava carregada de emoção e quase pude sentir meu coração apertar. 

— Sarah... eu não sabia! Eu juro que não sabia que tudo isso existia. Que vocês existiam! Se eu soubesse, nunca teria feito nada disso. Eu nunca prejudicaria ninguém, de verdade. — suspirei. — É por isso que Duck Young não queria que ninguém soubesse, é um peso grande demais, que somente nós dois precisávamos carregar!

— É aí que vocês se enganam, Ana Júlia! É algo que diz respeito a minha vida, não acha que eu tenho o direito de escolher se quero carregar esse peso também? 

Ela permaneceu no mesmo lugar, me encarando por alguns minutos antes de continuar.

— Eu quero me lembrar. — segurou minha mão. — Você disse, há pouco, que de qualquer forma eu não vou me lembrar disso tudo , no fim. Escolhi confiar em você, Júlia, mas você precisa entender que, a escolha é minha, e me prometer que vai respeitá-la independente do que você e Duck Young acham que é o melhor pra mim.

— Eu te prometo!

— Certo, então... — ela soltou minha mão e sentou-se novamente na poltrona. — Vamos tentar resolver isso, me conta tudo que aconteceu nesses dias, detalhadamente. Vamos tentar resolver o problema do portal.

— Ok. Primeiro Duck Young  apareceu na porta da minha casa, machucado e pedindo ajuda. Eu o reconheci pela aparência, mas era louco demais pra ser verdade. Então o deixei entrar e liguei para minha mãe, que é médica, para ajudar com os ferimentos, para que ele não tivesse que ir ao hospital. 

— Por que não queria que ele fosse para o hospital? 

— Foi tudo muito confuso naquele dia! De alguma forma muito louca, eu sabia que ele era mesmo o Duck Young, do livro. Não tinha como alguém ser igual à ele, a menos que...

A menos que...?

— Bom, não é nada relevante. Mas não tinha como ser alguém com exatamente a mesma aparência. Não pensei muito sobre como havia acontecido, porque, eu estava bastante confusa e uma parte de mim queria muito que fosse real. Pensando melhor, fui bem imprudente naquele dia. — ri fraco.

Realmente não parei nem mesmo uma vez para analisar profundamente a situação. Eu só me agarrei ao desejo inconsequente de que ele fosse real por que seria uma aventura, louca e divertida, na minha vida monótona. Então o coloquei dentro da minha casa, sem realmente saber quem de fato ele era, uma jogada arriscada de uma pessoa inconsequente. 

Na verdade, com dezenove anos já deveríamos ser mais responsáveis e agir como adultos, certo? Sim, mas acho que sempre vai haver uma parte dentro de mim que sempre vai ser uma adolescente que é apaixonada por um personagem literário de seu próprio livro, adolescente esta que enlouqueceu, como alguém que fica próximo de conhecer seu cantor favorito. Assim, eu surtei.  

Suspirei.

— Não podia levá-lo ao hospital porque, se ele era mesmo quem dizia ser, seus documentos, assim como os meus, não seriam válidos e teríamos problemas muito maiores do que os ferimentos.

— Continue a relatar...

— Então minha mãe foi embora, mas mandou que um dos meus melhores amigos fosse para minha casa, ficar de olho e assegurar que eu não estaria sozinha, caso ele tentasse algo. Então eu disse que ele não precisava se preocupar, porque Duck Young era meu namorado.

Tapei a boca. Essa mentira não era, nem de longe, a pior coisa que eu precisaria contar para Sarah. 

— E então... — arqueou uma sobrancelha. 

— Ele não acreditou. Eu precisava que ele fosse embora, mas eu o conheço bem o suficiente para saber que ele só iria quando tivesse total certeza que eu ficaria bem e a única forma disso acontecer era convencendo-o de que Duck Young era meu namorado.

— E ele acreditou? 

Sarah parecia estar muito ansiosa, como se esquecesse que se tratava de uma situação insana e surpreendentemente real, que envolvia nossas vidas. Parecia que, para ela, eu estava apenas lhe contando a história de um filme muito bom que assisti. Ela estava se esquecendo que não era ficção enquanto eu queria descobrir como dizer para minha mente ansiosa que ela precisava ficar quieta para que eu pudesse contar para Sarah que beijei o noivo dela há alguns dias atrás e que me arrependia, total e verdadeiramente, de tal ato.

— Eu o beijei, Sarah.

Quando Tudo Se Torna RealOnde histórias criam vida. Descubra agora