Me conte

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Eu ouvia um bip. No início estava longe e foi ficando cada vez mais alto e próximo a medida que eu recobrava a consciência. Mantinha os olhos fechados, quieta. Quando os abri, continuei quieta, me orientando.

A julgar pelo quarto, estava no hospital, meu corpo doía, principalmente meu pé. Me sentei na cama olhando ao redor, a porta estava aberta mas não havia ninguém em meu campo de vista. Estava com fome e sentia o corpo dolorido, provavelmente por estar deitada há muito tempo. Puxei os fios que estavam presos em meu braço e os aparelhos denunciaram soando em alerta.

— Droga! — resmunguei.

Coloquei meu pé direito no chão e o usei de apoio, quando estava prestes a colocar o esquerdo notei a bota ortopédica. Era só o que me faltava! O coloquei cuidadosamente no chão e ao tentar dar o primeiro passo. Resultado: fui direto ao chão. Minhas pernas traíras vacilaram por não ter força suficiente para me sustentar. Bufei. O barulho estava irritando tanto, que me parcialmente senti aliviada quando uma enfermeira entrou no quarto e o silenciou.

— Senhorita! — exclamou preocupada e me auxiliou a voltar para a cama. — A senhorita está bem? Se machucou? Onde estava tentando ir?

— Eu... Não. Quer dizer, estou bem... Só confusa. — Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. — O que houve?

— Você e o senhor Park sofreram um... acidente, há dois dias atrás.

— Dois. Dois dias? Minha mãe vai me matar!

— Por favor senhorita, se acalme, pelo seu próprio bem. Encontramos vocês dois desacordados e quando despertou, você estava extremamente perturbada dizendo que precisava voltar ao seu mundo, dar notícias para sua família e salvar o senhor Park. A senhorita estava sedada. É a terceira vez que volto aqui com a senhorita desligando os aparelhos e tentando escapar.

Ela parecia estar dizendo a verdade. Aparentava estar cansada, querendo se livrar logo de mim e a situação não parecia ser das melhores, portanto optei por ficar quieta.

— Me desculpe por... lhe dar trabalho. — Pedi e fiz uma pequena reverência.

— Não é necessário se desculpar, senhorita!

Ela se aproximou com uma cadeira de rodas e fez um sinal para que eu me sentasse e quando o fiz, tornou a conectar as agulhas em meu braço.

— Vou levá-la para fazer alguns exames, ok? Vai ser tranquilo e rápido, prometo. Logo estará de volta ao quarto. Se você cooperar e estiver bem o suficiente, a polícia irá te visitar amanhã de manhã.

— Po...lícia?

Foi como se uma sirene soasse em minha cabeça me dizendo que eu estava metida em um grande problema.

— Como é seu nome, senhorita? — Ela questionou tirando atenção de meus pensamentos. Engoli em seco.

— Eu... Eu não me lembro. — Coloquei a mão na cabeça e me lembrei de Duck Young em minha casa. Tentei fazer o mesmo. Eu estava longe de ser uma boa atriz, mas precisava tentar a sorte. Situações desesperadas exigem medidas desesperadas. — Minha cabeça dói e não me lembro de nada antes de acordar aqui!

— Isso não é comum! Não identificamos nenhum dano ao cérebro. O que há de errado?

— Não faço ideia! Talvez devêssemos fazer mais exames e observar melhor o quadro clínico. Talvez tenha batido a cabeça quando caí.

Não sabia exatamente o que dizer, uma vez que não entendia muito de medicina, mas se havia algo que eu fazia muito bem era prestar atenção nas conversas da minha mãe e um ou outro termo médico sempre era absorvido.

— Você parece bem... — rebateu.

Ela me levou para fazer exames demorados o suficiente para me irritar por a fome ter se acentuado. Tempos depois retornei ao quarto e finalmente pude comer. Não era ruim, pelo contrário, era bem razoável, mas não se comparava a comida da minha mãe. A saudade fez meu coração apertar.

Quando terminei de comer, uma enfermeira apareceu para levar a bandeja e logo estava sozinha novamente. Me encostei no travesseiro e fechei os olhos, apenas descansando e tentando colocar os pensamentos em ordem quando ouvi o barulho familiar de salto alto batendo contra o chão. Logo o barulho cessou, mas continuei quieta por alguns minutos, fingindo estar dormindo.

— Quanto tempo vai continuar fingindo estar dormindo? — Não me mexi. — Não importa por quanto tempo queira continuar jogando esse jogo, eu tenho todo tempo do mundo, mas você não! Acho que a polícia vai gostar muito de saber de todas as novidades. — discretamente, cerrei os pulsos. Ela suspirou. — Fiquei sabendo que alegou não se lembrar do seu nome, mas eu me lembro, Ana Júlia. Eles vão adorar saber minha mais nova descoberta. Sabe qual é?

Decidi por finalmente abrir os olhos, mas continuar com o jogo.

— Oi - resmunguei me sentando. — Quem é você?

— Descobri que seu nome não existe. — Ela ignorou minha pergunta. — Você não existe! Em lugar nenhum. Interessante, não? E mais ainda é o fato de você ter magicamente aparecido há alguns dias atrás. Eu consegui segurar minha língua, a de Dong Yul e do Secretário Kim, justamente porque quero que antes, você me diga o que houve, mas o tempo está acabando e eu vou ter que dizer alguma coisa, ou vão suspeitar.

— Sarah...

— Aí está a garota! — Ela se levantou.

— Por favor...

— Por favor digo eu, Ana Júlia!  Não me entenda mal, mas eu amo meu noivo e quero que quem fez isso com ele seja punido. Não vou me encrencar com a polícia pra ajudar uma pessoa que eu conheço há menos de uma semana e que possivelmente tem sua parcela de culpa.

— Eu não apertei o gatilho, não machuquei ele e muito menos a mim mesma, Sarah! Sei o que houve e pode ser que eu tenha culpa no motivo, não vou negar, mas eu posso dar um jeito nisso se me ajudar. Posso reverter tudo isso e salvar ele se me ajudar a sair daqui.

— O que você fez?

— Não fiz nada, Frederic quem fez. Eu tentei impedi-lo! Juro que tentei, mas ele não deu ouvidos. Nunca daria, ele guarda muito rancor do Duck Young.

— Frederic Kim? Por que ele faria algo assim? Ele e Duck Young são muito amigos. Se consideram primos.

— Algo que aconteceu há muito tempo. Não por algo que Duck Young tenha feito, não mesmo. Ele nunca faria nada para prejudicar alguém, mas foi algo que fizeram em nome dele.

— Como assim? O que fizeram? O que você tem a ver com isso?

— Por favor, não conta pra ele! Eu vou contar, mas eu preciso fazer isso, não conta!

— Tá tá! — Fez uma creta. — Pare de falar demais, Júlia. O que exatamente você tem a ver com tudo isso? Já que não vai me dizer o que está acontecendo ao certo.

— Não posso contar, ele me pediu. De verdade, precisa confiar em mim, mas não posso contar. Você nem imagina como ele guarda mágoa de mim pela situação. Pelo que eu fiz. Ele não quer que você e nem ninguém aqui tenha que passar pelo mesmo. É um segredo nosso!

Ela suspirou, foi até a porta, a trancou e voltou.

— Não posso ajudar se não contar a verdade. Nem mesmo sei se depois de contar vou confiar. Eu amo o Duck Young e o conheço há anos, eu faria de tudo por ele. Só te conheço há seis dias. Não vou te trocar por ele!

— Ele é meu amigo também! O conheço melhor que qualquer pessoa, quase tão bem quanto me conheço e faria de tudo por ele. Justamente por tê-lo colocado nessa situação.

— Me conte, Ana Júlia! — Ela praticamente exigiu, perdendo o último resquício de paciência.

— Eu não posso!

— Vai ser por bem ou por mau! Ou conta pra mim, ou eu conto pra polícia que você está mentindo sobre não saber de nada.

Ela tirou o celular do bolso e revelou o gravador ativo, gravando a conversa.

Idiota! Você não tem saída agora...

Quando Tudo Se Torna RealOnde histórias criam vida. Descubra agora