Temos um problema

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Minha mãe passou pela porta e me envolveu em um abraço, tão rápido, que quase não consegui notar. As pessoas costumam dizer que o mundo para nesses momentos, mas foi o total oposto. O mundo estava girando, com toda sua capacidade e nós é quem parecíamos estar paradas. Os últimos dias haviam sido tão estressantes e assustadores, que enfim era bom estar nos braços da minha mãe, o único lugar no mundo onde eu poderia me sentir acolhida, segura e amada, incondicionalmente.

- Mãe...

Ela se afastou e me analisou da cabeça aos pés, sua expressão aliviada mudou totalmente para uma preocupada ao encarar meu pé.

- O que aconteceu?

- Eu estou bem. Não precisa se preocupar, tá? Eu caí e quebrei o pé, mas tá tudo bem!

- "Eu só caí e quebrei o pé". Só, Ana Júlia?

- Mãe... - ela respirou fundo.

- Tem certeza que tá tudo bem?

- Sim, mamãe.

Ela voltou a me abraçar, tão forte e desesperada que quase me impedia de respirar. Não consegui ver Duck Young, mas mesmo assim pude sentir seu olhar pesar sob mim, pela meia mentira. Não. Pela omissão.

- Eu senti tanta saudade... - ela disse, a voz agora mais calma.

- Eu também, mãe. Todo santo dia... - suspirei.

Quando ela partiu nosso abraço, surpreendentemente, envolveu Duck Young em outro, mudo e rápido abraço.

- Eu tentei pensar, que se eu estava desesperada atrás da minha filha, sua mãe também estaria por você. Tentei pensar que também era filho de alguém. Eu te dei meu voto de confiança, porque a Ana Júlia não é inconsequente e muito menos mentirosa e se ela me disse que te conhecia e confiava em você, então eu precisaria confiar também. Era o que me restava, não? Confiar e esperar que vocês voltassem pra me contar. Então agora me contem!

Ouvi-la dizer aquilo me fez sentir extremamente chateada e culpada. Minha mãe me teve jovem, com 22 anos. Sempre foi mãe solteira, cuidando de um bebê enquanto fazia uma faculdade complicada, como a de medicina, e meus avós ainda não tinham uma condição financeira tão boa. Claro que nunca nos faltou nada e que eles apoiaram totalmente minha mãe, mas ainda era difícil, psicologicamente também. Eu nunca tive notícias do meu pai. Não sei se ele nos abandonou, se está vivo, se morreu, se eles namoraram ou se foi só uma noite, então sempre coloquei essa questão na conta dos problemas que minha mãe teve que aguentar. Pensar em tudo que ela passou por minha causa, direta ou indiretamente, sempre me fez desejar que ela nunca tivesse que se preocupar comigo de novo e olha só onde estávamos.

- Preciso que nos escutem com a mente aberta. É loucura, eu sei, mas vocês precisam tentar nos entender. Por favor, eu não inventaria isso em uma situação tão grave assim...

- Ok, então comecem a falar! - vovô incentivou.

- Eu escrevo. Acho que sabem disso, né? Eu escrevo uma história que é atualizada com certa frequência e disponibilizada na internet. Existe um mundo dentro dessa história, o mundo fictício, onde os personagens vivem e tudo lá funciona como eu escrevo aqui fora, no mundo real. - respirei fundo. - O mundo fictício existe. Durante esses doze dias em que desapareci, eu estive lá, junto com o Duck Young, que é o protagonista da história.

Fiz uma pausa para avaliar as reações. Nada de risadas o que já era muito bom e ninguém tentou comentar, completar, perguntar algo ou me interromper, o que era muito melhor do que eu poderia querer. Mas algo me deixou curiosa, minha mãe e minha avó trocaram alguns olhares durante minha fala, e se eu as conheço bem, eram olhares capazes de conter muitos segredos.

Quando Tudo Se Torna RealOnde histórias criam vida. Descubra agora