É fácil.
É fácil imaginar que memórias não foram criadas com má intenção. É tão fácil sucumbir a ideia que as memórias foram criadas apenas com o intuito de nos recordar do que criou um sorriso rasgado e não uma lágrima que rola pela face até enfrentar o seu cruel destino.
O que é difícil é imaginar alguém tão impiedoso que fosse criar algo assim para que apenas pudéssemos recordar toda a dor, todos os sentimentos e emoções ruins, todas as formas as quais sentimos o nosso coração ser arrancado do nosso peito a cada segundo, a cada impiedosa lágrima, cada soluço, cada coisinha que é tudo menos dona de um sorriso.
Que fácil erguer um sorriso, que difícil parar o choro.
Entre o fácil e o difícil não é a disputa. Em algum momento, por míseros segundos ou duros anos, tentamos perceber como é que alguém ou alguma coisa, seja esse um Deus ou a Teoria do Big Bang, foi capaz e teve a audácia de combinar as memórias com sentimentos bons e ruins, com sorrisos e lágrimas.
E, perdidos nesse pensamento, nem damos pela perda. Um pedacinho de nós voa e não sentimos, tão perdidos e sucumbidos tanto a felicidade e alegria quando ódio e dor.
''Jungkook!'' O pé de Jimin encontrou o meu joelho sobre o sofá, empurrando o mesmo, e eu olhei-o, tentando lembrar-me sobre o que ele me contava.
Eu tinha o braço pousado sob as costas do sofá, sentado de lado, um joelho erguido contra mim e o outro pousado sob a almofada, e na outra ponta estava ele, ambos os joelhos contra o peito, as pernas dobradas e os braços rodeando as mesmas. E estávamos ali com a promessa de que trocaríamos palavras e não beijos.
''Ainda bem que está cursando dança.'' Foi o que eu respondi, sorrindo discreto, e ele acenou, agora certo de que eu estava prestando atenção no que ele dissera.
''Foi isso que nos...'' Ele suspirou, a memória tão viva quanto estava a minha, mas eu neguei com a cabeça, abanando os meus cabelos, e erguendo a minha mão em desespero, deixando-a quieta depois.
''Isso não.'' Eu murmurei, porque ouvir Jimin falar de arrependimentos, do quanto todas as palavras cruéis que dissera foram desnecessárias não era o que eu queria.
Ver alguém preso em meu prol não era o que queria. Ver alguém em dor em meu prol não era o que queria. E eu não queria nada.
''Taehyung me falou que você acha a faculdade chata.'' Ele comentou, e eu engoli em seco, deitando a cabeça sobre o meu próprio braço, olhando-o e concordando em silêncio.
''É uma coisa chata, mas é o meu futuro.''
''Você podia tentar conversar com sua mãe, ela é-''
''Jimin.'' Eu o interrompei, uma risada escassa e seca escapando pelos meus lábios, mas ele continuou sorrindo, acanhado e encolhido. ''Eu estou bem e não me imagino a fazer outra coisa. Lidar com coisas chatas é do que a vida é feita. Eu fico feliz...'' A minha fala foi cortada quando ele se mexeu, em silêncio, como se eu não fosse sentir enquanto divagava, virando-se de costas para mim e depois deitando a cabeça sobre a minha perna dobrada e eu suspirei, inquieto, uma mão descendo para os cabelos dele, dizendo a mim mesmo que não havia mal nisso. ''Eu fico feliz que você não tenha muitas chatices.''
''Eu tenho uma coisa me chateando.'' Ele disse, fazendo um jogo de palavras, e eu revirei o olhar, porque aquilo era a cara dele de se fazer.
''O que foi?''
''Taehyung me disse...'' A minha mão acabou parando de acariciar a sua nuca, então Jimin parou de falar, pegando a mesma e abanando-a, como se pedisse para eu não parar, mas ouvir o nome de Taehyung esses dias era duro e dose. ''Taehyung me disse que você está bravo.''
''Não é importante...'' Desconversei, fechando os olhos, ainda deitado sobre o meu próprio braço. ''Jimin.''
''Diga.''
''Me leve na sua avó.''
''Não.''
''Não?'' Surpreso, eu perguntei, rindo interiormente. ''Porquê?''
''Não trato das flores faz tempo.''
''Faremos isso.'' Assegurei, aliviado por saber que, pelo menos, ele já visitara o lugar.
''Dão chuva.''
''Não dão nada.'' Eu acabei gargalhando, insistente. ''E, felizmente, guarda-chuvas ainda passam na revista do cemitério.''
''Dão chuva...'' Ele voltou a murmurar, como se estivesse sonolento e eu acabei negando com a cabeça para mim mesmo, sem ceder nem querer.
''Não lhe disse quando iremos.'' Eu mantive a ideia, porque eu sabia como era, sabia como Jimin precisava de fazer aquilo, mas precisava de o fazer em paz, nunca por obrigação. E por mais que a minha vontade fosse insistir até entender se aquilo era birra ou era medo de enfrentar a realidade, o mesmo se incomodou quando o meu celular vibrou contra a minha perna e consequentemente contra a sua cabeça. Levantando-a levemente, Jimin se deixou ficar mais de lado e eu puxei o celular do bolso, engolindo em seco ao olhar aquele nome.
''Quem é Aurora?'' Ele perguntou de forma direta, sem esconder que olhava o meu celular e eu neguei com a cabeça, deixando aquilo de lado.
''Ninguém.'' Murmurei, o olhar cerrado levemente, pensativo sobre o que Aurora poderia querer comigo àquela hora.
Jimin contraiu os lábios para dentro, como se a minha resposta o abalasse de uma forma negativa e retomou a posição anterior, as mãos agora pousadas sob a própria barriga.
''Podemos ir amanhã.'' Ele disse, baixinho, como se fosse para a maré da sorte decidir se eu o escutava ou não e depois suspirou, engolindo em seco, e então, rápido demais, ele ficou sentado e virou-se para mim, sentado sob os próprios joelhos e com o olhar com expectativa alta e as mãos nas minhas ele fez a sua proposta. ''Se ficar hoje.''
Foi a minha vez de deixar o pomo de Adão descer, encarando-o sem saber como desiludir aquele olhar dele, negando subtilmente e dessa forma o brilho sumiu da forma que eu não queria que o fizesse.
''Não posso.'' Eu disse, sem qualquer outra desculpa pronta, porque quem diria que ele pediria?
''Aurora não deixa?'' Ele murmurou, deixando o peso cair direto no sofá, revirando o olhar, descontente.
''Não é isso.'' Eu acabei rindo, negando para mim mesmo o sentimento de que eu gostara tanto que ele tivesse perguntado aquilo. ''Não posso mesmo.''
''Porquê?''
''Estou aqui às 11h.'' Eu o respondi, ignorando no entanto a sua questão, e as suas costas caíram contra o sofá enquanto as minhas pernas deixavam o mesmo, pegando os meus ténis do chão e calçando os mesmos. ''Pode ser?''
''Ok.''
''Não amua.'' Eu pedi, certo de que tinha o direito, e Jimin negou com a cabeça, voltando a revirar o olhar, as mãos inquietas brincando com o elástico da calça jeans. ''Te vejo amanhã.'' Combinei, parado em frente do sofá, sem saber a forma correta para me despedir dele, as mãos nos bolsos da calça, nervoso de repente, o encarando.
''Até.''
Eu acenei, concordando, erguendo o canto dos lábios em um sorriso escasso, o quanto eu podia, e caminhando para a porta logo depois. Quando os meus dedos, tocados pelo quente do meu coração, embateram na maçaneta gelada foi quando o tom rouco ecoou pelo lugar.
''Jungguk?'' Ele chamou, e por cima do ombro eu vi que ele nem se mexera, tão pouco me olhava, e eu parei, esperando o que fosse, a porta já entreaberta. ''Traga um guarda-chuva.''
Memórias tem apenas um único problema: Não tem como evitá-las.
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Vol, tas. ]JIKOOK/KOOKMIN[
أدب الهواةPor tantas vezes, a vida parece dar voltas nas voltas que a vida dá e nesta reviravolta a história de Jeon Jungkook e Park Jimin parece não estar terminada. Jungkook sente agora o sabor de liberdade como quem sente a falta de peso nos ossos, mas não...