Um vislumbre de esperança

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Algo despertou Danilo do torpor sem fim que haviam se tornado os seus dias. Momentaneamente seu corpo ficou ciente da rigidez do chão de pedra da cela nas suas costas, o aperto do ferro da algema no seu pulso, que com o movimento ocasional involuntário do seu braço durante tantos anos, deixara-o quase em carne viva. Foram anos mesmo? Dias, semanas, meses, anos, séculos... Ele não saberia dizer. E também não fazia diferença.

Assim como a percepção aguda da dor viera, percepção essa que não era má coisa realmente, já que não costumava mais sentir coisa nenhuma, ela fora embora. Mas o torpor, sempre presente, não estava mais lá, enevoando os seus pensamentos. Estava vivo, no real sentido da palavra.

Seus olhos ainda encontravam-se fechados, mas sentiu uma paz invadi-lo, e um sentimento de completude, que só existiram na presença de uma pessoa...

- Júlia. - murmurou Danilo.

Sua mãe o tinha ensinado o hábito de rezar, e sempre vinha ver se ele havia feito suas orações, antes de dormir, durante sua infância:

"Mon petit prince, avez-vous prié pour votre ange gardien?" Um lampejo de uma de suas primeiras memórias, de quando tinha 5 anos, veio-lhe a mente.

Agora, tentava reunir o resto de força e esperança que ainda existiam dentro de si mesmo, para implorar, a qualquer ser superior existente, que ele não tivesse perdido o pouco de sanidade que ainda lhe restara. Que ele realmente não estava mais só ali.

Sentiu uma mão acariciar um lado do seu rosto, transmitindo serenidade e amor.

- Eu quis tanto procurar por você.

Danilo abriu vagarosamente os olhos, temendo encontrar uma cela vazia.

Júlia estava do exato jeito que ele sempre a imaginava nos seus breves momentos de consciência, usava um vestido que era um dos favoritos dele, no qual ele costumava a achar ainda mais graciosa. Danilo engoliu a saliva, e sentou-se, ajeitando melhor a postura. Tentou firmar a voz, visivelmente emocionado.

- Ver você assim, cheia de vida... - ele finalmente conseguiu dizer.

Aos olhos dele, pareciam emanar de Júlia uma vivacidade e luz contagiantes. Danilo levantou o braço, e esticou a mão lentamente para tocar na bochecha dela, torcendo para que ela não se desfizesse no ar. Sentiu o calor da pele dela na ponta dos dedos.

Júlia envolveu a mão de Danilo, que se encontrava em seu rosto, entre as suas, e não conseguiu deixar de comentar, enquanto analisava cada detalhe do rosto dele como se fosse a primeira vez:

- Como pode... Estão cada vez mais parecidos! - Júlia divagou, em tom de admiração.

Danilo franziu a testa, com uma expressão de confusão, sem entender.

- Você e nosso André. - Júlia explicou, enfim.

Os olhos de Danilo se acenderam, o corpo se agitando todo em empolgação.

- Meu amor, você esteve com ele? Como ele está? Meu Deus, ele já deve ter mais de 4 anos!

Danilo ajeitou os cabelos que se desordenaram em sua agitação, por um momento lembrando Júlia da reação dele quando contara que estava grávida. "Bebê vem sem roupa não é?" Danilo questionara na hora, fazendo seu coração se encher de amor por ele.

- Ele tem 6 anos. É muito bem alimentado, vestido e educado. Bendita dá muito amor à ele. Danilo acabou deixando escapar algumas lágrimas, seus olhos vermelhos já há algum tempo.

- Nosso André está bem. - Danilo murmurou, quase para si próprio.

Júlia então decidiu distrair Danilo com histórias das coisas e lugares maravilhosas que vira durante esse tempo que ficaram separados. Com a esperança de ampliar os horizontes do imaginário dele, fazê-lo viajar, mesmo estando nesse local pequeno e impregnado com a sua tristeza.

- Vem cá, meu amor. - disse Júlia, enquanto puxava a cabeça de Danilo para o seu colo, o que ele fez prontamente.

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Júlia notou com pesar no coração, a luz arroxeada que já se fazia presente no céu, anunciando mais um dia. E anunciando também que o tempo que haviam lhe permitido ficar ali com Danilo tinha chegado ao fim. Balançou levemente com a mão o ombro de Danilo, continuando a acariciar os cabelos dele que ainda estavam em seu colo, enquanto a outra mão balançou de leve o ombro dele.

- Meu tempo acabou. - falou com suavidade.

Danilo se levantou subitamente pra olhar pra Júlia, e não conseguindo mais se segurar, desabafou:

- Não sei se vou conseguir aguentar muito mais. A maior parte do tempo, minha consciência não está aqui, mas nos momentos em que estou lúcido eu tenho certeza que não sou forte o suficiente pra continuar suportando isso tudo.

Júlia colocou os dedos nos lábios de Danilo, como para silenciá-lo, e piscou, o que permitiu que lágrimas grossas rolassem pelas suas bochechas.

- Você tem uma alma incrivelmente valente, é uma das coisas que mais tenho amado em você em todas as nossas vidas. Sua valentia vem da sua gentileza, e do seu coração enorme. É claro que você consegue. - disse, em meio a um sorriso e lágrimas.

Júlia, cujas duas mão se encontravam envolvendo o rosto de Danilo, encostou sua testa na dele. Depois direcionou a cabeça dele de volta para o colo dela.

- Agora você precisa descansar. Vou ficar aqui até fechar os olhos.

Danilo perguntou, com temor mau disfarçado na voz:

- Você volta?

- Não posso prometer quando, nem o quanto vai demorar até isso acontecer, mas sim, eu volto meu amor. Você é mais forte do que pensa, quando nos vermos de novo, quero muito ver você um pouco melhor.

Danilo então pegou a mão de Júlia que não se encontrava nos cabelos dele e a beijou, transmitindo toda a ternura que conseguia exprimir naquela hora.

Enquanto esperava ele dormir, Júlia atualizou a imagem de Danilo que tinha na sua mente. Contou cada cílio, cada linha de expressão nova que não conhecia, que ela gostaria que não tivessem originado de momentos de tristeza. Quando se deu conta, os raios de luz do sol se insinuavam pelas barras da janela, encontrando Danilo em um estado de quase adormecer. Júlia observou que ele não conseguia mais vê-la. Ela então sentiu a presença e a voz de mais alguém.

- Falta pouco.

Era Augusto. Certamente tinha vindo buscá-la, ele sabia o quão difícil era para Júlia deixar Danilo. O próprio Augusto sofria muito com a situação do filho, vindo sempre que podia para zelar por ele.

- O que? - Júlia questionou.

- Falta pouco para que Danilo possa se libertar disso tudo. Algum momento do ano que vem, acho... - Augusto respondeu com um suave sorriso emocionado.

Júlia foi em sua direção e abraçou-o instintivamente, quase tonta de alegria.

- Finalmente. - sussurrou.

Júlia virou-se para dar uma última olhada em Danilo. Ele se encontrava naquele estado entre lucidez e sonho, ainda não completamente adormecido. Júlia constatou que sua respiração, e o vai e vem de seu peito, demonstravam uma leveza nova, que não se encontrava nele antes.

"Pouco mais de um ano." Afirmou para si própria, se sentindo mais esperançosa do que antes.

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