Sim, ela já o viu antes

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Voltar ao passado como Júlia Castelo era uma experiência tão surreal que Cristina Valência não esperava que qualquer pessoa compreendesse. Mesmo compartilhando informações com sua confidente, ela duvidava que alguém pudesse alcançar a magnitude do que era revisitar sua encarnação do passado. Não era apenas atravessar o espelho e reviver os passos de Júlia. Era uma experiência que ia muito além de viajar no tempo.

Era se envolver com pessoas que não faziam parte da sua vida como Cristina, mas ao mesmo tempo faziam.

Viver como Júlia significava criar laços que Júlia havia criado quando estava viva em 1930. Significava se apaixonar pelo mesmo homem por quem Júlia tinha se apaixonado, e com a mesma — senão maior — intensidade. Significava conviver com a apreensão apertando seu peito quando pensava no futuro de todos após o assassinato do Júlia, e temer por cada um deles como temeria pelos seus conhecidos de 2018 se antecipasse sua própria morte, como Cristina.

Viver como Júlia era, diariamente, aprender e reaprender a lidar com sentimentos contraditórios, hiperintensos e de difícil compreensão; e não era sempre que sua mente, mesmo sã, conseguia separar as dimensões de tempo, o que e quem pertenciam a qual encarnação e quais sentimentos eram seus, de Cristina, e quais eram de Júlia.

Mas acima de tudo, viver como Júlia era — e aquilo ela não ousava verbalizar nem mesmo para Margot — tentar reprimir a esperança de que ela pudesse mudar o passado trágico de sua encarnação anterior.

E foi com essa esperança explodindo em suas células que Cristina voltou a 2018, saindo pelo espelho em busca de um remédio inexistente em 1930 e que poderia salvar Piedade de uma pneumonia potencialmente fatal. Em algum nível da sua consciência, ela sabia que Piedade sobreviveria à morte de Júlia. Mas o medo de ver sua mãe, uma mãe de tantas vidas, à beira da morte com a solução a um espelho de distância embaçou seus sentidos. E então ela se viu tentando infringir uma das regras essenciais à concessão que tinha para voltar ao tempo: mudar o passado.

Diante do desespero com o qual voltou para o presente, seus pais e Margot tentaram a acalentar, esforçando-se para comprovar que Piedade não morreria daquela pneumonia, que ela não morreria naquele ano. Foi só então que tudo começou a correr com mais calmaria dentro dela: Piedade ficaria curada. Júlia não perderia a mãe. Ela própria não reviveria aquele luto quando voltasse a viver como Júlia.

Quando enfim conseguiu retomar à casa de Júlia, estava pronta para, desta vez sim, permanecer no passado até o último dia da vida de Júlia e continuar sua missão de inocentar Danilo Breton: o grande amor de Júlia e quem havia se tornado, também, o grande amor de Cristina.

Assim, entrou na antiga casa de Júlia, em ruínas, descuidada, aparentemente abandonada, uma casa que outrora havia sido lindíssima, imperiosa e em destaque em uma cidade histórico-colonial ainda crescente. Fez o caminho a qual estava habituada: o saguão, a sala de visitas, o corredor com o relógio imponente até chegar ao quarto de Júlia — imaculado, mesmo com os vestígios do tempo.

Dirigiu-se a penteadeira para seu ritual habitual. Fechou os olhos e inspirou, enchendo seus pulmões de ar. Passou a mão pelo espelho em movimentos circulares, esperando aparecer no mesmo quarto, mas desta vez limpo, iluminado, bonito....

Contudo, para seu absoluto choque, não foi ali que seu corpo parou. Não foi no vestido rosa habitual até seus joelhos e não foi com seu cabelo ondulado até os ombros. Em vez disso, um vestido longo abraçava seu corpo, o tecido fazendo cócegas em seus pés de tão longo. Sentiu, também, um cabelo mais longo e pesado do que ela jamais tivera tocando suas costas inteiras, até a cintura.

Arregalou os olhos ao encarar seu reflexo em um outro espelho, um que não pertencia à penteadeira de Júlia Castelo. Viu um rosto feminino e assustado ali refletido. Era ela, Cristina. Era Júlia.

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