Yuri tinha um profundo desprezo pelos bons, pelos limpos e cheirosinhos. Ele tinha lido algo e não tinha entendido, mas só podia achar que era comunista. E suas inimizades eram burgueses. Sim, como na música do cazuza, que quem ouvia era sua mãe, mas ele também escutava. A burguesia fede. Infelizmente, estudava num colégio burguês.
Talvez seu único contato com a teoria de marx fosse realmente a música de cazuza, e alguns verbetes na internet, e mais nada. Ser comunista era o atributo perfeito de um desajustado ressentido que não queria fazer parte daquela palhaçada.
Planejava secretamente todos os tipos de absurdos. Unir outros estudantes. Dar um golpe de estado. Promover a revolução e queimar todos os burgueses.
Sua doutrinação, no entanto, estava muito fraca. Ninguém aderia a suas ideias. Ninguém se referia a ele como revolucionário. Ele era somente um ameba. O mais rebelde que um grupo conseguia ser era ouvir as músicas do iron Maiden talvez sem entender as letras. Quem sabe.
A maior raiva que nutria era contra as garotas. Aquela meninas lindas de cabelos lavados, supunha, o desprezavam profundamente. Elas passavam por ele sem lhe dirigir as palavras. O que diriam se vissem carregando sacas de esterco pro pai no ano anterior? Provavelmente que ele estava em seu habitat natural.
Karina fazia parte do grupo dos burgueses. Uma moça loura com os olhos azuis e corpo cheio de curvas. Não era bem uma mulher bonita. Tinha os olhos muito grandes, a cara de palerma, como se estivesse sempre com sono. Os lábios grossos estavam sempre meio abertos. Parecia que os dentes não cabiam na boca.
E mesmo assim, fazia parte dos burgueses. Chegava sempre com o seu sono evidente, juntar-se aos outros ilustres membros da elite para trocarem as novidades. Que foram em tais lugares, que visitaram tal lugar, que foram em tal festa. Tudo aquilo era muito estranho para ele, que não ia em festa alguma, não frequentava boates, ou pizzarias. Ele era pobre, e quando chegava em casa tinha sempre uma lata de sardinha com ovo esperando por ele.
Naquele dia ele chegou com seu antigo grupo para ser recebido com um efusivo:
— E aí, ameba?
A porcaria do nome tinha pegado.
— Vocês não se cansam dessa merda?
— Calma cara. É só um apelido. Ninguém liga. — Dizia Modesto, um rapaz com óculos fundo de garrafa descendente de portugueses, e relativamente liso igual a ele.
— Por que não é contigo, por isso tu diz que não é nada.
— Ih, vamos vazar daqui. O Ameba está nervosinho. — Quem falava agora era outro garoto de óculos, descendente de japoneses, com imensos óculos quadrados que tomavam todo o seu rosto redondo de gordo.
— Não acredito que vocês vão se misturar com a burguesia.
— Lá vem tu com esse papo. Vamos cair fora. - Agora era uma rapaz com o cabelo liso espetado.
Eles foram embora e Yuri permaneceu colado ao muro sozinho. Da sua mochila gasta, retirou um de seus livros. Trouxe exatamente para estes momentos de solidão. Era um livro com a capa azul imitando um céu estrelado. Gostava da luneta na capa e o papel imitando um pergaminho.
O mundo de sofia era o seu livro preferido. Tinha interesse especial pela personagem principal. Achava que estava apaixonado. Somente uma pessoa ridícula como ele se apaixonava por um personagem.
Quando abriu o livro, reparou que uma pessoa se aproximou dele. Era a Karina.
— O que você está lendo? — Achou estranho ela perguntar. — Esse é o mundo de sofia?
Que estranho.
— É sim.
— Eu já li esse livro.
Não era possível.
— Mesmo?
— Sim. Este é um dos meus livros preferidos. Vamos conversar outro momento sobre esse livro. Não tenho ninguém para falar sobre ele.
— Claro.
Que porcaria ele estava fazendo? Ele deveria negar. Nunca se misturar com a burguesia. Ele era do proletário. Foi então que passou um amigo dela.
— Ei Karina, está falando com o Ameba?
Pronto. Ia começar novamente o show de horrores.Ela não era diferente dos outros. Também se riria dele.
— Ei, Guilherme. Deixa de ser idiota! O nome dele é Yuri.
— Desculpa aí. Agora vai namorar o Yuri?
— Cala a boa seu idiota. Não liga pra eles, não. Eles são babacas mas são boa gente.
— Se não fossem burgueses eu até acreditava.
— O quê? Não leia muito sobre essas coisas, senão você vai ficar meio variado das ideias. A gente se fala depois.
E deixou o jovem sem saber o que fazer. Não acreditava que ela tinha falado com ele.
No intervalo voltou a sentar sozinho. Em poucos minutos seu grupo chegou com a mesma história.
— Ei ameba. O que vai fazer hoje a tarde? Perguntou o japonês.
— O que eu faço todos os dias.
— Tentar dominar o mundo? – este era o Modesto.
— Esse desenho é velho. — Comentou outro.
— Não, cabeçudo. Eu vou estudar.
— Então, vamos estudar lá em casa.
— Não dá. Nossas matérias são diferentes.
— Mas você sabe história. Estou com dificuldades nessa matéria.
— Não dá pra mim. Tenho que estudar outras coisas.
— E já assinou aquela revista?
— Pedi pra minha mãe. Mas ela ainda não pode fazer.
— Meu pai assinou pra mim.
— Então me empresta depois que você ler?
— Só se você for estudar lá em casa.
— Égua! Tu joga muito sujo.
Nesse instante, Karina passou com um grupo de amigas, e acenou.
— Oi Yuri!
Os colegas do jovem ficaram sem entender assustados.
Ele ouviu as amigas dela perguntarem.
— Vc fala com ele?
— Falo. Ele é um cara legal.
— Eu acho ele esquisito.
— Karina, a piedosa!
— Deixem de ser doidas.
Depois que elas se afastaram, o grupo voltou a falar, só que agora sussurravam.
— Tu fala com ela?
— Falei hoje só.
— Então me apresenta.
— Que apresentar o quê? Eu nem conheço direito ela. Vai lá e fala com ela. A gente estuda na mesma sala. Eu te apresentar? Isso seria ridículo.
— Ridículo é tu falar com as gostosas e não apresentar os amigos. Que sujeira, Yuri!
— Aprendeu de volta o meu nome? Eu pensei que era o ameba.
— Pois continua sendo. Os fatos só comprovam que você merece a alcunha.
— Fala difícil?
— Por causa do enem, tive que comprar um dicionário. Estou praticando.
A Campainha do recreio tocou. Todos correram para a sala. Até mesmo o grupo das patricinhas o olhava diferente.
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O Ameba
Teen FictionYuri é um jovem negro que frequenta de favor uma escola de elite na cidade. Este é o ano em que vai enfrentar o Enem. Na sua casa, o pai foi embora, na escola os amigos se afastaram, e o dia raiou debaixo de um vendaval. Falta apenas uma coisa para...