Yuri não entendia bem o motivo mas estava ali, chacoalhando de um lado para outro dentro do ônibus, dançando para fugir do sol, que naquela tarde, estava escaldante. Quando o ônibus mudava de posição, e o sol batia numa janela, pulava para o outro banco. Se a posição do sol se invertia, repetia a operação.
As instruções eram claras. Deveria descer numa das ruas principais do centro da cidade, a alguns quarteirões do colégio. A casa ficava no caminho.
Diante de um muro branco, bateu palmas. Veio ver uma senhora com os cabelos louros escuros, e uma acentuada faixa grisalha. Era a mãe de Karina. Ela não tinha o aspecto de mãe de beldade. Parecia somente uma mãe, sempre sorridente, com o corpo meio desengonçado que uma mãe geralmente tem devido a ela cuidar dos filhos ao invés de cuidar de si. Ela o veio receber sorrindo.
— Yuri?
— Sim, senhora. Desculpe, seu nome?
— Maria, eu sou a mãe da Karina.
Somente depois de certo tempo ele percebeu que a mulher trazia os mesmos olhos graúdos e chorosos, apesar dos cabelos mais escuros, e do os olhos mais turvos.
Era uma casa bem arrumada, mas era uma casa simples, antiga, com cadeiras de pátio e teto de gesso. Pra ele aquilo era um luxo.
Uma moça saiu de dentro de casa com um short leve e curto, expondo as coxas brancas. A camisa de algodão também estava colada ao corpo, os cabelos presos num rabo de cavalo. O rosto sem maquiagem.
— Vem, Yuri, vamos estudar.
Os dois seguiram para o quarto.
— Espero que vocês estudem mesmo. — Falou a mãe atrás de filha.
Ele seguiu constrangido, mas a menina sequer respondeu. Dentro do corredor, ela falou para o amigo.
— Não liga. Ela é uma megera.
— É assim que você fala com a sua mãe.
— Ela me trata de coisa pior. Ela me chama de espírito do esgoto.
O quarto era arrumado, mas também era simples. Ele esperava encontrar algo glamoroso, que a moça morasse numa mansão. Ela tinha uma vida boa, mas estava longe de ser rica. Eram mais próximos do que imaginava. Talvez estivesse a seu favor ser bem-nascida, ou ter as amizades corretas. O abismo entre eles, no entanto, era menor do imaginava. Sobre uma escrivaninha, repousava seu velho conhecido.
— Aquele é o livro da Sofia?
— Sim. O mesmo que eu disse que li.
— Eu não estava acreditando.
— Por que não? Uma moça bonita não pode gostar de ler?
— Somente se ela for modesta.
— Sou eu.
— Eu realmente devo estar errado. Eu pensava que somente os feios liam.
— Mas você lê.
— Sim. Foi o que eu disse.
— Mas eu não acho você feio.
— Essa é nova. Não sabia que a moças bonitas também eram engraçadas
— Engraçadinho é você.
Yuri passou a observar o quarto. Ao lado da escrivaninha havia uma estante. Ele adoraria ter uma em casa. Ele guardava seus poucos livros num canto empilhados, um em cima do outro. Alguns dos seus estavam meio roídos pelos ratos. Ele observou então um livro muito gasto e modesto, era um livro de poesias.
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O Ameba
Novela JuvenilYuri é um jovem negro que frequenta de favor uma escola de elite na cidade. Este é o ano em que vai enfrentar o Enem. Na sua casa, o pai foi embora, na escola os amigos se afastaram, e o dia raiou debaixo de um vendaval. Falta apenas uma coisa para...