Existia uma diferença muita grande entre ler um livro científico e ler um livro do ensino médio. Enquanto antes da faculdade, as matérias podiam ser facilmente imaginadas, a partir de agora, tudo o que Yuri lia era abstrato. Algumas vezes era capaz de ler várias páginas sem qualquer referência a algo concreto. E para isso, não existia preparação.
Os próprios livros do primeiro semestre eram sinceros em dizer que nada preparava os alunos para a faculdade.
Yuri se debatia com esses novos desafios ao mesmo tempo que a relação entre os colegas se estabilizava. André e Rodrigo ficaram seus amigos, e eles desistiram de o chamar de Ameba. O apelido lhe pareceu inapropriado para a faculdade. Eles se sentiram um pouco infantis.
No entanto, Yuri não conseguiu se livrar totalmente da própria sina.
Ao mesmo tempo que sentia estranheza, passou a achar que a universidade era o seu lugar. Finalmente suas leituras pareciam ter alguma importância. No ensino médio estavam tão fora de qualquer grade curricular, que poderia parecer para todos uma perda de tempo.
O maior exemplo foi o próprio livro o mundo de sofia.
No ensino médio, era quase um conhecimento hermético saber de filosofia. Nas aulas introdutórias do curso de direito, ou como os professores da área gostavam de falar, nas aulas propedêuticas, era um requisito. Em pouco tempo percebeu que o livro era uma febre entre os alunos. De alguma forma, isso também era decepcionante. Um livro para jovens, não deveria ser base para alunos na faculdade. Eles deveriam se aventurar em assuntos mais profundos. De alguma maneira, ele se sentia um pouco a frente dos outros colegas. Enquanto todos estavam lendo, o livro estava pendurado na sua estante velha. Teve vontade até de voltar a revirar as páginas.
Havia um intervalo entre as aulas. Ele saiu da sala e foi andar pelos corredores. Os colegas estavam distribuídos e conversando entre si.
O mundo parecia um universo de possibilidades. Concomitante com as aulas, passou a ler outros livros estranhos. Leu um livro de introdução a economia sem necessidade, e também passou a ler o livro inteligência emocional. Pelo o que entendeu, havia outro abismo a superar. Assim como o ensino médio não preparava para a faculdade, a faculdade também não preparava para a vida. Ter sucesso em cada uma delas, não era de garantia de sucesso no futuro. Mas não pensava nisso com profundidade. Todas aquelas informações eram mais como entretenimento para Yuri, como alguém que resolve uma revista de palavras cruzadas.
A gravidez de Karina avançava. No período próximo ao nascimento de Evandro, ela poderia sempre dizer para o namorado que estava enjoada da cara dele. Nesses intervalos, ela estava com Yuri. Ela evitava tocar na proposta que ele fez, e o rapaz também decidiu não insistir. Ela tomaria a própria decisão. Enquanto isso, procurou tornar a vida de Karina um paraíso a seu modo.
Ele levara o livro que os uniu para ler para o pequeno Evandro recluso. Ele batia quando falou em Sócrates e Platão. Karina dizia que a voz de Yuri era bonita. Houve uma vez em que ele viu a mão minúscula contra a barriga. Yuri pôs a mão sobre a pequena marca que se fez. E então, ele retornou para o seu mundo oceano, suspenso como um peixe.
Ele continuava achando que Karina estava mais bela ainda. A gravidez lhe conferia uma iluminação diferente. Ela estava radiante. Não era demais pensar que uma mulher tem um papel e é feliz quando o desempenha. A maternidade possuía a sua mágica própria, anda que eles pudessem se libertar dela com o uso da razão.
— Como eles estão te chamando? Desistiram do Ameba? — Certa noite ela lhe perguntava, depois de ele ler algumas páginas do livro para o bebê na barriga. Seus encontros não eram tão frequentes, mas ainda dava para se verem, ela alternava as visitas do noivo com as do Yuri. De alguma forma, ela precisava dos dois, por enquanto.
— Acho que os tempos do ameba estão terminando. Não há mais espaço pra ele hoje.
— De certa forma é uma pena. Com o tempo eu cheguei a achar até mesmo bonitinho.
— Acho que eu também me acostumei com ele. Agora ele deve ir embora para outra pessoa chegar.
— E quem seria?
— O pit.
— Pit?
— é como a turma me chama agora.
— Por que?
— Por que dizem que quando eu falo eu pareço um Pitbull, e que estou prestes a voar no pescoço dos professores.
— Mas pit não lembra aquele personagem de comédia? O Pit-bicha?
— E você acha que as pessoas perderiam o trocadilho? Ninguém perderia uma piada dessas. O povo perde a amizade mas não perde a piada. Como eu não tenho amigos ...
— Mas e o André e Rodigo?
— São realmente os meus colegas mais próximos.
— Yuri, o nascimento do Evandro está próximo.
— Alguém desconfiou do nome?
— Não. Eles acharam o nome bonito. Mas não era isso que eu queria falar com você. Eu queria fazer um pedido.
O coração do Yuri começou a bater mais acelerado. Será que ela pediria para o ver mais? Para que ele não aparecesse?
— Eu preciso me depilar.
— E o qual a minha relação com isso?
— Eu preciso depilar as minhas partes íntimas.
— E?
— Olha esse barrigão, Yuri. Eu não consigo sozinha.
— E quem vai ajudar você? Sua mãe?
— Eu queria que fosse você.
— Eu? Eu nunca nem me depilei. Como e vou depilar você?
— Está na hora de você começar. Todos os homens deveriam se depilar. Você faria isso pra mim?
— Por você, eu faria.
— Então faremos assim. Primeiro se depile. Depois vou querer que você faça o mesmo pra mim. A criança está chegando, e eu não posso chegar na sala de parto desse jeito. Se você não fizer isso pra mim, as pessoas na sala vão fazer. E elas não serão gentis.
— Eu não sabia que era dessa forma.
—Tem outro motivo para eu te fazer esse pedido. Esta é uma fantasia minha, e eu gosto de realizar minhas fantasias com você.
![](https://img.wattpad.com/cover/188588417-288-k619345.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Ameba
Teen FictionYuri é um jovem negro que frequenta de favor uma escola de elite na cidade. Este é o ano em que vai enfrentar o Enem. Na sua casa, o pai foi embora, na escola os amigos se afastaram, e o dia raiou debaixo de um vendaval. Falta apenas uma coisa para...