Yuri tinha um problema emocional sério. Podia não parecer, mas ele era apaixonado por uma menina. Seu nome era Dido. Havia um conjunto de livros que ele viu certa vez na livraria. As mais belas histórias da antiguidade clássica. Eram três volumes. Mas como não tinha dinheiro, os poucos recursos que conseguiu, adquiriu o terceiro apenas. Depois se arrependeu. As melhores histórias faziam parte do primeiro volume. Mas até que aquele era interessante. Tratava basicamente da história de Enéias, o fundador de Roma.
Nesse livro, ele descobriu a origem do nome de Dido. Trata-se de uma princesa que se apaixonou pelo herói, que a abandona. Mas quando pesquisou no google, a única coisa que achou foi uma cantora dos pré-históricos anos 2000. A diva pop cabelos curtos muito louros. Mas a sua rainha pessoal tinha os cabelos escuros.
Não era bem uma mulher bonita. Era interessante. Uma moça inteligente e desajeitada. Ele a amava exatamente por isso. No entanto, a despeito de certa falta de jeito, era uma pessoa popular no colégio. E história de amores não lhe faltavam. Ela tinha namorado com um amigo seu muito inteligente e que mudara para outra cidade. era óbvio que ele faria medicina.
Eles podiam se considerar amigos. Yuri não era muito simpático, mas mesmo assim trocava algumas palavras. Ele tinha medo de receber um não como resposta. Mas o seu maior medo na verdade era receber um sim. O pior era que ele sentia que tinha alguma chance.
Em sua cabeça, ele era uma roubada. Problema na certa. Infeliz da mulher que se metesse com ele. Um liso, com a família mais complicada do mundo. Ele mesmo complicado.
Ele tinha certeza que se eles namorassem ele a destruiria. Não sabia porque pensava isso, mas pensava.
Fora isso, seus sentimentos eram um segredo. Nenhum de seus amigos idiotas podia saber. Ele mesmo se proibia mencionar.
Seu telefone tocou de manhã. Era sábado. Não tinha noção do que Karina desejava. Uma voz sonolenta do outro lado falou.
— Bom dia.
— Bom dia! O que você quer?
— Falar com você.
— Mas porque você não liga pro seu namorado?
— Detesto falar com ele de manhã.
— E fala comigo?
— Sim. Qual o problema?
— Sei lá. Acho estranho. Ele sabe que você me liga cedo da manhã?
— Não. Não sou nem louca de dizer.
— E o que eu sou pra você, afinal de contas? Um amigo proibido?
— Sim. Proibido é mais gostoso.
— Você é louca.
— Minha mãe gostou de você.
— Eu também gostei dela.
— Ela disse que você devia ser o meu namorado.
—Já não estou gostando dela. Por que ela ia querer que eu namorasse com o espírito do esgoto?
— Porque ela diz que a gente tem a mesma idade.
— E o seu namorado?
— Ele é mais velho. Ele tem um restaurante. É empresário.
— Hum. Sei.
— E você Yuri? Namora alguém.
— Eu lá tenho cara de que namora alguém. Eu sou um tonto.
— Não acredito. Você tem cara de garanhão.
— Pois eu sou uma besta.
— Tenho minhas dúvidas. As meninas adoram um poeta. Quando você vai fazer um poema pra mim?
— E por que eu faria isso?
— E qual seria o problema? Poderia comemorar a nossa amizade?
— Não é assim que funciona. Tem que ter uma inspiração.
— E quem é a sua?
— A minha o quê?
— Inspiração.
— Eu não tenho esse tipo de coisa. Eu me inspiro no céu. Eu me inspiro na lua.
— Eu acho que é a Dido.
Yuri desligou o telefone.
Que porra é essa?
O celular tornou a vibrar. Era Karina de novo.
— Você desligou na minha cara, seu doido.
— A ligação caiu.
— Caiu o caralho. Você desligou.
— Não sabia que uma moça fina tinha a boca tão suja.
— Não quando eu estou puta. Seu leso.
— Quem te contou um negócio desses?
— Então é verdade?
— Claro que não.
— Então não tem problema se eu falar com ela.
— Você não vai fazer isso comigo. Vai me matar de vergonha. Quem te contou isso? Ninguém sabe.
— Eu acho que eu sei.
— Quem te contou.
— Não posso revelar as minhas fontes. Elas são protegidas pelo sigilo, sabia?
— Você está de brincadeira comigo.
— Estou e não estou. Você dá bandeira, cara. Já existe o burburinho.
— Quer dizer que você estava me observando? Por quê?
— Sim. Interesse científico. Você é meu objeto de estudo.
— Continuo sem entender essa sua conversa. Quem vai querer me estudar?
— Aí que você se engana. Você outras observadoras. Uma, para falar a verdade.
— Agora a minha cabeça deu um nó.
— Será que eu vou ter que martelar nessa sua cabeça dura? Tem uma moça que tem interesse em você, não é a sua Dido. Mas ela também não é de se jogar fora. E a tua Dido também é meio esquisita. Mas eu não vou julgar o seu gosto. Ela tem o seu charme. É uma pessoa maravilhosa.
— Eu não estou preparado para ter essa conversa com você.
— Como não? Já não estamos conversando?
— Até a semana passada, a gente nem se falava. E agora você já está aí falando da minha crush e dizendo que eu sou o crush de alguém. Nada disso tem sentido. Me deixa sozinho. Acho que não vou falar com você nunca mais.
— Calma aí, gafanhoto. Sem drama. Eu sou a solução para todos os seus problemas. Eu vou tomar café. Vem aqui em casa. A gente precisa conversar pessoalmente sobre esse negócio. Eu vou te salvar.
— Hoje é sábado sua louca.
— Vem logo. Se não eu ligo pra sua crush, e resolvo essa parada na hora.
— Você vai me fazer levar um fora. E eu vou dizer que é tudo mentira.
— Você não sabe. E se você tiver uma chance?
— Você não é nem louca.
— Eu sou melhor. Eu sou um espírito do esgoto.
E ela desligou na cara do amigo.
Ele não tinha outra alternativa. Teria que ir ver a amiga de qualquer forma. Mas já começava a se arrepender de ter começado aquela amizade.

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O Ameba
Fiksi RemajaYuri é um jovem negro que frequenta de favor uma escola de elite na cidade. Este é o ano em que vai enfrentar o Enem. Na sua casa, o pai foi embora, na escola os amigos se afastaram, e o dia raiou debaixo de um vendaval. Falta apenas uma coisa para...