Capítulo 19.
— Aquela sua amiga está aí novamente?
— Quem, mãe?
— Aquela com o cabelão. — Era Cassandra.
A mãe de Iuri não gostava dela.
— Eu acho que essa menina gosta de ti. Vir aqui em pleno sábado.
— Deixe de besteira, mãe. A senhora pensa mal de todo o mundo. Quando ela poderia vir? Dia de semana? Somente sábado.
Cassandra estava sentada nas cadeiras da frente com as pernas educadamente unidas. Ela o olhou com os olhos grandes e severos. Tentou ocultar a apreensão com um sorriso, mas Iuri já estava incomodado.
— Da próxima vez você pode não me encontrar aqui.
— E pretende fazer o quê? Tinha algum compromisso?
— Eu vou ter que começar a trabalhar. O colégio acabou, e os livros da faculdade não chegam sozinhos pelo correio. Alguém tem que pagar por eles.
— Ei sei como é. Vou ter que trabalhar também. Tenho uma proposta de uma distribuidora de medicamentos, um conhecido do meu pai.
— Que legal!
— Não tem nada de legal, Iuri. É um trabalho dos infernos. Mas não tem outro jeito. Esquece! Não foi esse motivo que me trouxe aqui. Acho que nem preciso perguntar. Eu sei que você ficou sabendo da Karina.
— Aconteceu algo com ela?
— Além dela estar grávida? Não, acho que é só isso, pelo menos por enquanto. — Passou a sussurrar. — Sua mãe não está nos escutando? Eu acho que ela não gosta muito de mim.
Iuri se levantou para ver onde estava a mãe. Ela se recolhera ao quarto. Por sorte, a irmã não estava em casa. Tinha algum compromisso.
— Acho que está limpo. Pode falar.
— Falar? Eu? Sou eu quem te pergunta. Você não tem nada para me contar?
— Do que realmente você está falando?
— Ora, Iuri, nós sabemos. Eu te falei que eu sabia de tudo. Vocês tinham "encontros". Haveria a possibilidade deste filho ser .... seu?
Iuri esperou um pouco para falar algo. Estava criando coragem. A amiga não o pressionou. Entendeu que ele precisava de todo o tempo do mundo. Tinha somente que durar até que a mãe do Iuri saísse do quarto. Ela percebia que os olhos dele sondavam a casa em busca de qualquer movimento.
— Existe essa possibilidade.
Cassandra se levantou com violência. Quase deu um pulo. Depois ficou contendo a voz. Iuri pensava que ela ia gritar. A moça cerrou os punhos. O que faria? Daria um soco no Iuri?
— Eu deveria quebrar a tua cara. — Ela falou por fim. — Eu pensei que vocês criariam juízo, mas continuaram se encontrando. Me conta essa história direito.
O sol que entrava no pátio da casa do Iuri era ameno naquele horário. Era o fim da tarde. Se caminhasse pela frente da casa, poderia avistar a torre da Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Era um terreno antigo, que pertencera a avó do Iuri, por isso, era bem localizada. O rapaz não chegou a se levantar, mas imaginou a torre, como uma gravura de um livro antigo. Teria que falar algo, antes que o tempo dos dois se esgotasse.
— Pelo o que eu entendi, ela e o namorado estavam tendo um momento ruim. Eles brigaram antes de sua última viagem. Por isso, devido a isso, ela parou de tomar o anticoncepcional. Ela se sentia mal pelo remédio. Mas quando o pai da Karina morreu, nós voltamos a nos encontrar. E aconteceu. E quando o namorado retornou de viagem, eles reataram. Esse lapso do remédio gerou esse problema.
— Quando você ficou sabendo disso?
— Ela me contou praticamente no segundo mês de gravidez.
— Então você ficou sabendo antes dele?
— Sim.
— E vocês continuam se encontrando?
— Recentemente, não. Mas cheguei a ir com ela na primeira consulta com o médico.
— E o que foi que ela te falou. Quem é o pai?
— Ela não sabe. Pode ser um de nós dois.
— E como vão descobrir? Pretende fazer o dna?
— Segundo ela, não precisa. É muito fácil descobrir. O preto, é meu.
— Típico dela. Mas que confusão! Eu estava prevendo esse tipo de rolo.
— Ela não te falou nada.
— Ela está me evitando. Ela não quer falar comigo. Fica dando desculpas, dizendo que não está quando eu vou lá. Ou então ela está saindo de propósito. Ela deve saber que quando eu a encontrar, vou dar uma surra nela.
— Você vai bater numa mulher grávida?
— Só na cara dela, pra ela criar vergonha. Mas acho que não tem esperanças pra moça. É um caso perdido. Será difícil, de qualquer maneira. Ela não fala comigo. Consegui somente falar com a mãe, e com o outro candidato.
— O noivo?
— Sim, o iludido, apesar de eu achar que os dois estão.
— Eles desconfiam de algo?
— O corno não desconfia.
— Não o chame assim.
— Não é verdade? Ou será que o corno é você?
— Você não está sendo cuidadosa.
— Está bem. Vou amenizar as minhas palavras. Eu estou muito aborrecida. Mas tome cuidado com a Karina. Ela não é digna de confiança, acho que você já percebeu. Não me espantaria se não fosse nenhum dos dois o pai.
— Que absurdo!
— Cuidado com as mulheres, Iuri. Elas podem enrolar você.
— Agora você está parecendo minha mãe.
— Você devia ouvir ela então, já que não me ouve mesmo.
— E a mãe dela? Desconfia?
— Acho difícil esconder qualquer coisa daquela senhora. Ela deve desconfiar. Pode ser uma desconfiança pequena, mas paira no seu semblante. Ainda assim, não é suficiente para tirar o brilho do casamento.
— Casamento? Que casamento?
— Como assim, Iuri? Você não está sabendo? Eles estão planejando casar, o quanto antes, já que a barriga está imensa.
— Eu não acredito que ela não me contou nada.
— Você já deveria esperar por algo assim. Aprenda. Karina não é uma pessoa confiável. Abra seus olhos. Você vai se magoar mais ainda. Duvido que não esteja magoado agora.
Cassandra se levantou e disse que ia embora. Iuri somente acenou. Ela decidiu não fazer mais qualquer alarde. Abriu o portão e seguiu seu caminho. Iuri ficou sentado na frente da casa numa cadeira de vime. A mãe apareceu.
— Filho? Está tudo bem?
Iuri não demonstrou qualquer reação.
— Iuri?
— Desculpe, mãe. — Ele falou como se despertasse de um pesadelo. — Está tudo bem. Vou me recolher, somente.
— O que essa moça lhe disse?
— Não foi nada.
— Se precisar, pode falar comigo.
— Não foi nada, mãe. Juro. — Ele se afastou antes que a mãe fizesse mais perguntas e fosse obrigado e mentir mais.
No quarto, demorou um pouco para sair do seu entorpecimento e mandar mensagem para Karina.
— Você vai se casar?
O sinal acendeu indicando que ela recebeu e leu a mensagem. Depois disso a foto da amiga sumiu. Ela o bloqueou.
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O Ameba
Teen FictionYuri é um jovem negro que frequenta de favor uma escola de elite na cidade. Este é o ano em que vai enfrentar o Enem. Na sua casa, o pai foi embora, na escola os amigos se afastaram, e o dia raiou debaixo de um vendaval. Falta apenas uma coisa para...