Capítulo 7

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Assim que entra em casa, Julie diz um "boa tarde" fugaz, sem olhar para quem se encontra na sala, e dirige-se ao quarto, com passo rápido. Quem a visse, diria que enfiou um foguete no orifício traseiro.

Margot estranha esta súbita atitude dela.
Desde que pisou aquela casa, Julie nunca esteve aérea e sempre parava perto deles, quando chegava do trabalho, cumprimentando alegre e sempre conversando um pouco, antes de subir para o quarto. Franze o cenho, questiona Carter com o olhar e ele apenas encolhe os ombros.

- Carter, ela não te contou? - Pergunta, ao aproximar-se de Carter, que nega com a cabeça. - Mas que estranho...

- Apenas me disse que era cansaço acumulado, mas duvido. Com licença, senhora. Vou voltar aos meus afazeres, se não precisar mais de mim.

- Obrigada, Carter. - Margot ficou com a pulga atrás da orelha.

Quando se aproxima a hora de jantar, Margot decide subir e ir chamá-la. Bate à porta e soa um "entre" bem baixinho.

- Querida, vamos, o jantar está pronto. O Jamie regressou e quero apresentar-te ao meu neto. - A senhora sorri.

- Está bem. Eu já desço. - Julie suspira. - Eu já o conheci hoje, na Paramedics.

A resposta evasiva de Julie ainda a intrigou mais e, com a sua experiência, algo lhe dizia que o neto tinha dedo no estado de Julie.
Decide não perguntar, mas daria uma de Sherlock Holmes para descobrir.

Margot fez questão de que Julie a acompanhasse até à sala de refeições e até foi bom, porque ela descontraiu e voltou à Julie de antes, com a conversa delas.

Adentrando a sala de refeições, os Silverdale já estavam todos sentados. Julie sentiu o olhar intenso de James sobre ela e aquele arrepio de volta. Julie não devolveu o olhar, muito pelo contrário, evitou olhar para ele.

- Boa noite a todos. - Sentindo uma coragem fictícia, resolve agir como se nada tivesse acontecido, e sorri.

- Boa noite. - Respondem todos.

- Julie, quero apresentar-te o meu filho James. - Helen anuncia.

- Já nos conhecemos. - Respondem em uníssono, encarando-se mutuamente.

- Ah, ótimo.

Mantem-se uma conversa cordial durante a refeição e, por vezes, uma troca de olhares efémera entre James e Julie.

Margot notou, claro.
A velha senhora tinha faro para estas coisas. Sorriu internamente, assim que percebe o clima "estranho" entre os dois.
Que de estranho não tem nada. Nadica de nada.

- Até amanhã! - Despede-se com um sorriso. - Vou descansar. O meu turno começa bem cedo. - Julie levanta-se e, ao mesmo tempo, James também.

- E eu vou seguir o exemplo da Julie. Estou exausto.

Os restantes despedem-se deles.

James segue atrás de Julie para o andar superior. Assim que ficam ocultos, James agarra-a por um braço, puxando-a contra o seu corpo e olha-a fixamente antes de a beijar.

Surpresa com aquilo, demora a corresponder, mas acaba por fazê-lo, desfrutando da mesma sensação que sentiu na primeira vez.
O beijo de James tirava-a dos eixos.

Quando toma consciência do que estavam a fazer, afasta-se bruscamente, empurrando-o pelo peito.

- O que pensas que estás a fazer? Estás maluco, porra?

- Maluco?! - Olha-a confuso. - Provavelmente, sim.

- O que pretendes com esta merda? Primeiro beijas-me, depois tratas-me com se fosse uma pária, ou sei lá o quê, e agora ages como se nada tivesse acontecido, e retomamos o clima do bar? - Julie põe as mãos na cintura, com o olhar repleto de fúria.

Olhando-a fixamente, James pensa e dá-lhe a razão.
Mas, assim que a viu entrar na sala de conferências, ficou tão surpreso, que nem houve uma reação... Quer dizer, todo o seu corpo reagiu logo a Julie, sim! A recordação do seu toque, dos lábios dela, do beijo, excitou-o a um ponto tal, que teve de disfarçar imediatamente e ajeitar-se. Pelo canto do olho ficou a observá-la sentar-se e tentar passar despercebida. Passar despercebida? Aquela mulher?
Ele ficara sem reação, pelo amor de Deus, porque ficou surpreendido, pela positiva, pelo universo conspirar a seu favor e trazer até ele quem conquistou algo que ele pensava que não existia. E ele teria de explicar isso a Julie, porque ela parecia magoada.
Quando o pai o informou da maneira que iria agradecer ao bombeiro português que o salvara, deduziu que fosse um homem e, durante a conversa com Julie no "Clay's", não associou as informações sobre o que a trouxera para Washington ao que se sucedeu com o pai.
Agora que estava ali com ela, tudo encaixava.

- Desculpa, Julie. - Olha para ela, sentindo remorsos por tê-la magoado. - Pensando bem, agora tudo faz sentido. Eu é que não assimilei e nem associei. Realmente, fui um idiota contigo.

- Ah, pois foste. E idiota é pouco! E nem sei se te desculpo, seu...  Seu... Seu camelo! - Rebate, ainda com as mãos na cintura, semicerrando os olhos.

- Em minha defesa, quero que saibas que pensei que fosse um homem que tinha salvo o meu pai e, quando entraste naquela sala, pela primeira vez na minha vida, fiquei sem saber o que fazer, ou o que falar.

- Eu também fiquei surpreendida! Não foste o único. - Julie continua a falar com um tom agressivo. - Fiquei a questionar-me sobre montes de coisas. Senti-me usada! Depois das breves palavras que me dirigiste, ainda me senti uma oportunista! Eu só vim, porque fui convidada.

- Perdoa-me. - James abraça-a e volta a pedir desculpa. - Eu não quero que penses assim, nem que te sintas dessa forma. - Apoia o queixo no cimo da sua cabeça, aproximando-a mais do seu corpo, e Julie fica a ouvir o bater acelerado do seu coração. - Eu estou a ser sincero. Eu não sabia mesmo como agir.

Ela retribui o abraço, enlançando-o pela cintura, relaxando e apreciando o cheiro dele. Afastam-se e, pegando-lhe a mão, James acompanha-a até à porta do seu quarto.
Olha-a nos olhos e volta a dar-lhe um beijo ao de leve.

- Porque é que me sinto assim perto de ti? - Sussurra com as mãos na sua face, acariciando com o polegar.

- Assim como? - Julie pergunta no mesmo tom baixo.

- É como... - James pára para pensar e sorri. - É como se um íman me puxasse para ti. Sinto uma necessidade brutal de te tocar. - Sussurra. - Isto nunca me tinha acontecido.

- E eu não consigo tirar-te da minha cabeça. - Julie encara-o, imitando o seu tom. - O que vamos fazer agora, Jamie?

James fecha os olhos, saboreando como o apelido carinhoso sai dos seus lábios. Quando Julie o diz, soa como se tivesse sido feito para sair somente da sua boca e ser escutado por ele, sentindo um beliscar no seu íntimo. Não tinha nada a ver com a maneira como a avó o chamava, de certeza.

- Não sei, mas eu quero isto. Eu quero continuar o que começámos no bar, Julie.

- Mas nós nem nos conhecemos! Quer dizer, apenas há uns dias... - Afasta a cabeça, de modo a conseguir olhá-lo, olhos nos olhos. - Como é que isto poderá dar certo? Estou na casa da tua família, pelo amor de Deus! E é tão repentino.

- Julie, os relacionamentos começam assim. E nós vamos começar assim também. Vamo-nos conhecendo e ver o que o futuro nos reserva. - James sorri timidamente.

Ao mesmo tempo que pensa em aceitar, ela receia o futuro incerto de um relacionamento entre os dois.

- Jamie, é a sério?

- Por favor, aceita, Julie. Vamos tentar. - Ele encosta a sua testa à dela. - Com calma.

Acenando, Julie toma a iniciativa, desta vez, e beija-o.

Despedem-se e encaminham-se para os respetivos quartos.

Assim que entra, Julie senta-se na cama e abana a cabeça, com tantas dúvidas que a atormentam naquele momento.

Olha, que se foda.
O que tiver de ser, será!

Como diz o ditado: quem não arrisca, não petisca.

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